domingo, 27 de novembro de 2011

UM PEQUENO GRANDE AMIGO

UM PEQUENO GRANDE AMIGO



Era um sábado à noite. Estava jantando em uma ótima pizzaria quando precisei ir ao banheiro. Normal. Todo mundo vai a banheiros em restaurantes. Ao chegar lá, deparei-me com uma figurinha masculina, devia ter cerca de cinco anos, usava um engraçadinho moletom azul e parecia nervoso. Disse-me:

            - Tia, não pode entrar. A mãe do Lucas tá ali dentro.

            Na verdade, eu não queria saber quem estava no banheiro, até porque não era da minha conta. Eu também não pretendia entrar porta adentro e expulsar a tal mãe do Lucas dali. De qualquer maneira, crianças costumam repassar informações que parecem irrelevantes pra nós e que podem ser muito importantes para elas. Eu disse apenas:

            - Não se preocupe, meu amor. A tia espera.

            - Tia, a mãe do Lucas tá surrando ele!

            Esbocei uma cara de espanto, para que a criança não se sentisse ignorada. Aquela cara que a gente faz quando não tem o que dizer e, de certa forma, está constrangida, pois trata-se de uma criaturinha um tanto expansiva e nem tudo o que crianças alarmistas dizem é procedente. Ele disse:

            - Eu não vou deixar ela surrar o meu amigo!

            E começou desesperadamente a forçar a fechadura, dava afoitos jogos de corpo contra a porta, gritava. Tinha ódio. Tinha medo. Tinha coragem. Fazia o que parecia apenas um corriqueiro escândalo infantil. Entretanto, aquilo me pareceu muito maior do que um simples escarcéu.

            De qualquer maneira, comecei a ficar constrangida. Quando a mãe do Lucas saísse do banheiro, podia pensar que quem batia loucamente na porta e forçava a fechadura era eu. Pedi ao rapazinho que parasse com aquilo. E ele argumentava que não podia parar, tinha que fazer alguma coisa por seu amigo. Quando a “algoz” do menininho abriu a porta do banheiro, (e não parecia que ela estivesse praticando nenhum ritual de tortura) o menino fez o óbvio: saiu correndo. Mas, bem, tinha feito sua parte.

Mas uma coisa não se pode negar: o que parecia apenas um corriqueiro estardalhaço infantil era, na verdade, uma baita demonstração de amizade. E, vindo de uma criança escandalosa, muito sincera, por sinal. Boa parte dos adultos não moveria um dedo, ou pior, viraria as costas ao perceber um amigo em “situação de perigo”. Para estes, é bem mais fácil se omitir em vez de abrir a boca para ajudar, defender ou livrar alguém de uma fria. Eles têm medo de se expor ou de se complicar ao fazer alguma coisa por um amigo. Para considerável parte dos adultos de hoje em dia, amigos valem menos que bons carros, roupas de grife, viagens ao exterior, joias, dinheiro, cargos ou espaços em colunas sociais. Em contrapartida, o que vem das crianças é sincero. E, ao menos em tese, ainda há pureza nas atitudes delas, portanto eles ainda acreditam em amizades verdadeiras.

Olha, Lucas, eu não sei bem quem você é, acho que você ainda nem sabe ler pra entender o que eu escrevo hoje. Talvez, quando você aprender ler, poderá acabar se interessando por este texto. Mas, talvez, nem se lembre dessa situação que viveu. Bem, eu só quero te dizer uma coisa: diferentemente da maioria das pessoas que eu conheço, você tem um amigo de verdade. E, em dias em que se valoriza tanta coisa besta nessa vida, vale a pena ter um amigo.

sábado, 8 de outubro de 2011

CRÔNICA: Separatismos

SEPARATISMOS



            Acabo de assistir mais uma vez a Hotel Ruanda. Constato novamente que se trata de uma excelente produção. O filme, como é sabido, trata das questões separatistas na África. É sabido, também que os separatismos não ocorreram apenas nos países africanos. Eles aconteceram pelo mundo inteiro e inspiraram grandes conflitos, que hoje são excelentes temas para filmes, documentários ou aulas de história. E para crônicas.

            Claro que os separatismos não deixaram de ocorrer e não são fatos isolados. Pelo contrário, eles continuam existindo debaixo dos nossos narizes e, por nem sempre inspirarem grandes e horrendos genocídios, parecem menos relevantes. Mas eles não deveriam passar tão despercebidos. O que interessa é que quem pratica esse tipo de violência (bem, eu considero violência) ou é muito idiota ou não tem coisas mais úteis para se preocupar.

            Os separatismos aparecem em nossa sociedade alienada e fútil em aspectos que muita gente nem percebe. Fazemos distinção entre os iguais quando alguns têm acesso à comida e outros não. Há separatismo, também, quando reservamos cotas aos negros e índios nos vestibulares, como se não tivessem todos as mesmas capacidades intelectuais. Quando rotulamos as “coisas de homem”, as “coisas de mulher” e, agora, as “coisas de gays”, como se o gênero fosse decisivo para que alguém goste de futebol, novela ou música clássica. Quando achamos que quem gosta de rock não pode ir a um show de pagode, como se o ecletismo fosse proibido pela rotulação. Quando, nas escolas, distinguimos os professores de “área” e “currículo” (o que são termos um tanto antiquados) como se não tivessem (ou devessem ter) todos o mesmo objetivo de ensinar.

            Ocorre separatismo quando desvinculamos o que pensamos, o que falamos e como agimos, e isso nos faz parecer pessoas falsas, cujas atitudes nunca têm conformidade. Quando privilegiamos alguns por seu status social elevado, deixando de privilegiar quem realmente precisa, praticamos separatismo graças a nossa veia bajuladora. Praticamos separatismo quando não temos rampas e acessos adaptados a pessoas com necessidades especiais, pois, com essa atitude, deixamos implícito que essas pessoas não podem fazer parte de determinado ambiente.

            Enfim, deve-se avaliar o separatismo imundo que vem da fofoca, que surge da vontade que algumas pessoas têm de colocar uns contra os outros, de fazer com que os iguais pareçam diferentes. Quem julga o outro pela aparência ou pelos seus atos não se dá conta de que também é humano e que pode ser ou fazer exatamente o que o outro é ou faz. E isso pode ser, também, considerado separatismo genocida. Porque matar as raízes do que se considerava primordialmente ser “humano” pode ser considerado genocídio. E, no quesito “acabar com a humanidade”, nossa raça é especialista. O verdadeiro lixo da sociedade é quem trata os outros como lixo.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CRÔNICA: SOBRE O TABAGISMO

SOBRE O TABAGISMO



            Detesto parecer auto-ajuda, mas juro que, realmente, não é essa a minha intenção. É que eu estava lendo algumas coisas constantes e pipocantes sobre o cigarro, e, como há pouco tempo sou uma fumante em recuperação, não pude evitar algumas considerações. Se servirem a alguém, ótimo. Se não servirem, vire a página, jogue este texto fora, enfim, livre-se disso.

            Acontece que o cigarro já foi moda. Não é mais. E é bem diferente das roupas da moda, que você compra, usa até enjoar e depois se livra delas com toda a facilidade. O cigarro caiu de moda e não pense que é por falta de vontade ou de vergonha que as pessoas não deixam de usar, como uma blusa da estação passada. As pessoas não deixam de usar porque não conseguem se livrar. Simples assim.

            Agora, se você faz questão de começar a fumar, acenda seu primeiro cigarro. Ok, não é ruim. Se ruim o fosse, não existiriam milhões de fumantes mundo afora. Mas, prepare-se para as humilhações. Poucos restaurantes que se prezam permitem que se fume em seu ambiente. Você vai ter que ir para o lado de fora, passar pelo ridículo de abandonar seus companheiros de mesa que não fumam, interromper a conversa, para ter o prazer de fumar seu cigarro. Não há mais espaço fechado que aceite alguém que bafore uma fumaceira fedorenta pelas ventas. E será mais incômodo se tiver chovendo. Nem vamos entrar nessa questão.

            Você vai se sentir bem cada vez que acender um cigarro, vai pensar que, mesmo sozinho, terá uma companhia, uma ocupação. Mas vai pagar bastante caro por isso. Calcule: ao preço médio de quatro reais, você fuma uma carteira por dia. Quanto dinheiro se queima em um mês? Em um ano? Em uma vida toda?

            Além disso, seus dedos vão ficar amarelos, sua voz vai engrossar, de vez em quando você vai ficar sem ela (dependendo do quanto você fumar), sua pele vai ficar grossa, seca, você vai ter olheiras, rugas, suas unhas ficarão fracas, talvez você tenha queda de cabelo. Seus dentes ficarão nojentos e amarelos. Os guardas te repreenderão nos aeroportos, mesmo nos espaços abertos. Você vai feder. As pessoas vão reclamar. É possível que você fique com vergonha. Então, você pode querer parar de fumar.

            Aí, você vai sofrer. Vai almoçar e sentir vontade de chorar por um cigarro. Porque, agora, aqueles rolinhos de papel fedorentinhos, que antes pareciam insignificantes, te dominam. Não é você quem controla essa relação. Eles agora são primordiais para você, tanto quanto a água, o banho, o sono ou a comida. E é muito difícil se desvincular disso. Vai sonhar com o cigarro todas as noites e você sabe que seu corpo precisa dele, mas também sabe que precisa cuidar da saúde e da aparência. Como ter filhos (as mulheres) sem largar esse vício infeliz?

            É preciso entender que, uma vez que o cigarro faz parte da vida de alguém, ele o fará para sempre. Nunca existirá um ex-fumante. Eu gosto do termo ‘fumante em recuperação’. Porque enquanto há vontade de fumar e nostalgia em relação ao cigarro, ainda existe um fumante. Hoje em dia, reconhecida a feiúra e a cafonice do cigarro, não é de se entender porque algumas pessoas se encantam tanto com ele. Ignore-se esse encanto. Ele é fugaz. Eu acho que acender o primeiro cigarro é uma das coisas mais fáceis que existem. Apagar o último, em compensação, uma das mais difíceis. E não é sem embasamento que afirmo isso.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Crônica: O LIMITE DA SINCERIDADE

O LIMITE DA SINCERIDADE

            Admiro pessoas sinceras. A sinceridade é, realmente, algo muito louvável em um mundo de tanta sem-vergonhice, de tantas mentiras, maldades, violências e enganações. Mas, a meu ver, tudo que é cultuado em excesso é prejudicial, por melhor que pareça. Tudo tem limite. Até a sinceridade, algo tão maravilhoso e perfeitinho, tem limite.

            Ser franco é uma coisa muito bonita, sem dúvida, quando é usada para evitar que alguém seja feito de bobo, para não passar por mentiroso, para abrir os olhos de quem merece um empurrãozinho para perceber certas coisas. Nesse caso, é questão de lealdade. Mas tem gente que não mede as consequências de sua sinceridade. Puxa, será que dá pra ter ataques de sinceridade apenas quando é conveniente?

            Claro que não estou defendendo a mentira, mas não acho necessário ser sincero ao dizer o quanto alguém engordou, quando se sabe que aquela pessoa está malhando desesperadamente e se alimentando mediocremente em prol de sua saúde. Você não precisa dizer a uma amiga que reparou nas unhas descascadas dela e que acha isso um relaxamento. (Afinal, nem se sabe como foi a semana dela para julgar isso como falta de vaidade. Vai ver, vontade de se ajeitar não faltou, mas podem ter faltado outras coisas.) Não precisa dizer “oh, você estragou seu cabelo!” quando alguém chega super feliz achando que vai agradar com seu visual novo. A não ser que essa pessoa pergunte, e que ela demonstre estar pronta para ouvir uma opinião sinceramente negativa.

            Não precisa mentir para as pessoas. E nem se deve fazer isso, de forma alguma. Mas meter o nariz onde não se é chamado, emitindo uma opinião negativa que não foi solicitada, apenas para tentar se fazer presente, fingir para os outros que se sente mais importante, sem pensar se vai chatear o outro ou não, é, muitíssimo sinceramente, coisa de gente pequena. Temos o direito e o dever de sermos sinceros, desde que, para isso, não tenhamos feito com que ninguém se sinta um lixo. Para isso existem os eufemismos.

            Temos o direito de nos irritar com uma pessoa que está com a saúde abalada por causa, por exemplo, da obesidade, e continua comendo compulsivamente. Mas ninguém tem o direito de julgá-la e humilhá-la por isso. Temos, sem dúvida, o direito de achar que alguém não ficou bem com determinada roupa, mas, se esse indivíduo está se sentindo bem assim, nós evidentemente não temos o direito de estragar o bem-estar alheio. Temos o direito de achar o outro feio, gordo, cafona, ridículo, malvestido, desarrumado e o raio que o parta. Mas dizer isso só pra se sentir formador de opinião e melhorar a própria autoestima às custas da de outrem, é mesquinhez. É importante dizer o que se pensa, e isso é incontestável, para que possamos ter relações decentes com as pessoas que nos cercam. Mas nem tudo o que pensamos deve ou pode ser dito.

            Porque a sinceridade é uma das características mais admiradas pelos seres humanos. Mas quem sente a sinceridade destruidora de pessoas fúteis e vazias sabe que tudo, em excesso, tem um lado ruim. Talvez esteja aí a linha tênue entre a sinceridade necessária e a estupidez controladora. Uma coisa é ser crítico. Outra é ser inconveniente.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crônica: Ninguém tem a vida que quer

            NINGUÉM TEM A VIDA QUE QUER



Ninguém vive como gostaria. Mas isso não quer dizer que não sejamos felizes com a vida que temos. Quer dizer, apenas, que, por melhor que se sinta em relação à vida que tem, ninguém vive exatamente como preferiria viver. A todo momento, abrimos mão de fazer coisas das quais gostamos muito. Ou fazemos coisas que odiamos, mas que devem ser feitas por necessidade de atender às exigências do mundo.

            Aposto que ninguém come tudo de que gosta ou gostaria. Quem faz isso, vira índice de obesidade mundial. As modelos e as gostosonas das capas de revistas podem até gostar do que veem no espelho, agradar aos olhos alheios, mas tenho certeza de que não agradam a seus estômagos, suas vontades, seus desejos de comer pizza, chocolate, ovo frito ou tomar uma cerveja bem gelada. Posso prever, ainda, que não devem acordar todos os dias às seis da manhã, como narram as revistas de dieta, cheias de prazer e disposição para malhar desesperadamente em busca do abdômen perfeito ou da bunda mais dura. Deixam, portanto, de viver como querem quando deixam de dormir até as onze quando têm vontade para satisfazer uma necessidade que, muitas vezes, não é sua.

            Não convivemos tanto com as pessoas que amamos, mas gostaríamos de poder fazer mais isso. Deixamos de estar com quem nos é importante porque temos o trabalho, o estudo, a obrigação, temos que provar à sociedade o quanto somos bons, o quanto produzimos; para isso, dentre outras coisas, temos que empatar o dinheiro daquela tão sonhada viagem em uma bela casa, porque senão vão dizer que a gente não se enxerga, onde já se viu não ter nem casa própria para morar e ir se enfiar em um avião rumo à Europa? Então, abandona-se tudo para mostrar ao povo que podemos e vamos adquirir coisas. “Veja, sociedade! Faz quinze dias que não vejo minha mãe e faz três noites que não durmo! Isso é o de menos! O que interessa é que tudo o que eu tenho é de última geração! O melhor é meu!” Isso é o mundo hoje.

            Em compensação, enquanto deixamos de estar próximos daqueles que amamos, a vida nos obriga a aturar pessoas que não suportamos, que nos irritam, que nada tem a ver conosco. Ou seja, passamos mais tempo ouvindo mau-humor e lamúrias de pessoas intragáveis do que aproveitando nossos preciosos momentos com aqueles que queremos bem. Para mim, isso está longe de ser o padrão de vida ideal.

            Deixamos de usar a roupa que nos faz sentir bem para usar aquela que está na moda. Deixamos de ser o que gostamos de ser para ser o que os outros esperam. Não quero dizer que não somos felizes, que o trabalho e que os bens materiais não nos alegrem, que atender às expectativas não nos satisfaça. Só acho que poderíamos ser mais autênticos e mais fiéis a nós mesmos. Fazer o que dá vontade. Respeitar aos outros sem deixar de respeitar a nós mesmos.

            Passamos a vida correndo atrás da vida que queremos viver e não percebemos que podemos viver o que queremos agora.

terça-feira, 28 de junho de 2011

CRÔNICA: O FIM DA TOLERÂNCIA

O FIM DA TOLERÂNCIA

            Chega um dia na vida em que o indivíduo se dá, de forma um tanto automática, a liberdade de jogar fora aquilo que não serve. De desistir de entender o ininteligível. De desprezar aquilo que irrita. De valorizar o que faz bem e, finalmente, compreender que a gente mesmo é aquilo que nos faz melhor, o que temos de melhor.

            Nesse dia tão especial da vida, a gente manda às favas as coisas que não devem ter relevância, mas que, algum tempo atrás, tinham importância em nossa vida. Há, por exemplo, pessoas que te perguntam uma coisa, cuja resposta dizem querer ouvir verdadeiramente. Quando damos a resposta, muitas vezes recebemos grosseria e ofensas. Poupe-me disso. Pergunte-me apenas aquilo que realmente quer saber. Se não quer saber, não me pergunte ou vá para o inferno! Não me pergunte coisas pessoais demais. Eu não sou obrigada a revelar o valor simbólico que paguei por um sapato maravilhoso em uma promoção ou quantos quilos eu engordei desde que me formei. Eu não tenho mais tempo nem saco para me envolver com esse tipo de pessoa ou de coisa. Chegou um dia em que eu mereço todo o tempo do mundo para dedicar àquilo que me interessa.

            Também não acho possível suportar gente mesquinha. Eu não preciso disso. Gente que gosta de usar os outros a seu favor, mas nunca pode ao menos fingir ser útil para os demais. Gente negativa, invejosa e cri-cri também não dá pra aguentar. Gente que faz trinta críticas para cada elogio também cansa. Gente que se acha referência, que quer que todo mundo seja igual a si detona com os meus limites. Gente que só abre a boca para colocar defeito nos outros não merecia ter uma boca. Não olhe, por exemplo, para o meu cabelo, se for para dizer que ele está horrível. Não diga nada. Pense, mas não diga tudo o que pensa. Guarde certos comentários para você. Quando achamos que alguém engordou, não é de bom tom dizer isso para o dono desses derradeiros quilos, não é? Dizer tudo o que se pensa, ao contrário do que muitos definem, não é ser verdadeiro: é ser mal-educado, egocêntrico, espaçoso e idiota. Antes de abrir a boca para fazer um comentário sobre a conduta, ou a aparência, ou a roupa de alguém, tenha certeza de que essa pessoa queira ouvir sua opinião. Não seja intrometido, você não é exemplo.

            Mau humor? De jeito nenhum. Eu chamaria isso de “O fim da tolerância”. Apenas quero dizer que tudo tem limite, inclusive, e principalmente, a tolerância. É cansativo tolerar o tempo todo a atitude de pessoas que toleram apenas a si mesmas e a seus caprichos. Odeio os seres humanos? De maneira alguma! Gosto tanto dos seres humanos que não consigo deglutir o fato de que alguns deles são fúteis e arrogantes o suficiente para achar que estão sempre completos, para não lutar para melhorar, para pisar em cima das outras pessoas, para acharem-se melhores que os outros, para cagar leis em cima dos demais e aí por diante. Eu gosto dos seres humanos. Eu gosto de ser humana. Por isso nunca me contento com o que sou, do jeito que estou. Uma coisa é se gostar, se aceitar. Outra coisa é achar que atingiu o impossível: a perfeição.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Crônica: Chique é ser...

CHIQUE É SER...




Acredito que poucos saibam verdadeiramente o que é ser chique, embora muitos pensem que o são e tentem ensinar os outros a fazer isso. Como a maioria das definições, esse é um conceito obviamente difuso. Cada um entende como quer. Bem, eu me acho no direito de pensar que a “chiqueza” vai bastante além do que boa parte das pessoas pensa que ela é. Não que eu acredite veementemente ter essa característica, mas, mesmo que eu não tenha nem um pouco, isso não quer dizer que não a possa perceber e admirar quem possui.

Tem gente que se acha simples, extremamente simples. Mas não se anima a sorrir para o garçom quando faz o pedido em um restaurante, por exemplo. Dá ordens, com arrogância. E se sente lesado o suficiente para reclamar do atendimento. Isso não me parece nem um pouco elegante. Também tem gente que se acha “simples” o suficiente para escolher acordar reclamando, dar um “Bom dia” com cara de nojo, não dar atenção aos outros, importar-se apenas com seu próprio umbigo e pensar que a aparência física de alguém é que define quem é chique ou não. Julgar pela aparência é coisa de gente invejosa, pobre de espírito, vazia.

Já que falamos em aparência, não posso deixar de pensar no termo “ostentação”. Aparência é o de menos. Ser “chique” é ser realmente simples. Não o “simples” que se faz de vítima, que se inferioriza para chamar a atenção, que só se preocupa consigo mesmo. Isso é uma simplicidade provocada, narcisista, usada por quem quer se aproveitar dos outros. Falo do simples que não se importa (ou ao menos não demonstra se importar) com o que tem. O simples que não perde tempo se vangloriando nas rodas de conversa, porque tem muito a ensinar e a aprender com os outros e não quer perder tempo com futilidades. Aquele que não deixa de investir nas riquezas exteriores e, sobretudo, sabe investir nas riquezas interiores. A arrogância e os rótulos não cabem em pessoas verdadeiramente elegantes

A elegância das pessoas não se limita a belos trajes, maquiagens ou penteados. É elegante aquele que sabe ouvir e dar atenção aos outros, que sempre procura algo para dizer quando alguém tem alguma coisa para contar. É chique quem sabe perdoar, quem é verdadeiro e não dá ouvidos ao que pessoas negativas têm a dizer. Também é muito chique quem sabe tratar a todos da mesma maneira, com educação, independente de cargos ou posição social. Elegante é estar de bem com a vida, saber valorizar as coisas boas que se tem e aprender a minimizar os problemas. Aceitar que nem tudo são rosas, mas que o rumo das coisas quem faz somos nós, e que a nossa “cara” diante da vida pode definir o rumo das nossas possibilidades e relacionamentos.

domingo, 23 de janeiro de 2011

DA MACHEZA E DA COZINHA

DA MACHEZA E DA COZINHA




Dia desses, eu dirigia por uma rua razoavelmente movimentada. De repente, avistei um carro que estava parado no meio da rua, sem dar sinal. Pressupus que quisesse estacionar. Então, tentando ser educada, achei um espacinho e o ultrapassei vagarosamente pois, se me mantivesse atrás do mesmo, ele jamais seria estacionado.

Eis que o vidro do referido veículo se abre. Surge na janela um distinto, elegante e educado senhor que brada delicadamente:

- Volta pra cozinha, ô!

O espírito da ira apossou-se de mim, honestamente. Não por insinuar que eu dirijo mal, ou coisa assim, que isso não me ofende. Mas por ser preconceituoso, machista e me mandar para a cozinha. Cozinha, distinto senhor machão, há muito tempo já não é exclusividade das mulheres, a não ser que o senhor não viva no mesmo século que eu. Ademais, as mulheres ocupam posições iguais ou superiores aos homens, só os mais ignorantes ou aqueles que sentem sua macheza ameaçada ainda não conseguem conviver com isso.

A propósito, se eu fosse (e agradeço a Deus por não o ser) a bela e jovem esposa que acompanhava esse simpático e agradável indivíduo, e testemunhasse uma agressão à mulher, em especial a essa máxima arcaica que ouvi, deixá-lo-ia, com muito prazer, sem comidinha pronta. Sim, porque ele precisa perceber que, se a mulher atingiu posições antes ocupadas exclusivamente por homens, o homem também precisa compreender que alguém precisa preencher o espaço deixado pela mulher. Então, amigo, vá você para a cozinha, dê jeito de aprender a fazer sua própria comidinha, pois pessoas como você, mais cedo ou mais tarde, tendem a ser abandonadas por suas belas e dedicadas esposas por manifestarem tanto preconceito.

Em tempos onde os conceitos se modernizam a cada dia, é um ultraje ouvir alguns homens (e ainda algumas mulheres) bradarem pela divisão entre “coisas de homem” e “coisas de mulher”. Somos todos iguais, temos as mesmas capacidades, podemos exercer as mesmas funções e gostar das mesmas coisas, independente de gênero. Foi-se o tempo em que a cozinha e os serviços domésticos eram “coisas para mulheres” e trabalhar fora para colocar comida na mesa e assistir ao futebol bebendo uma cervejinha eram “coisas para homens”.

Em tempos em que se aceitam tantas coisas novas, realmente não dá para acreditar que a mulher que, pelo contrário, não é nenhuma novidade, ainda seja tachada por alguns membros da sociedade como subserviente. Na verdade, enquanto as mulheres ainda se permitirem ser colocadas como objetos (na visão de muitos, quando o lugar delas não é na cozinha, é para serem “mulheres-fruta”), isso nunca vai mudar. Não quero dizer que as mulheres tenham que ser iguais aos homens, que não devam ser femininas. Só acho que as mulheres são particulares demais, grandes demais, fortes demais para serem diminuídas a uma cozinha ou a uma sessão de fotos sensuais e excitantes.