segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crônica: Ninguém tem a vida que quer

            NINGUÉM TEM A VIDA QUE QUER



Ninguém vive como gostaria. Mas isso não quer dizer que não sejamos felizes com a vida que temos. Quer dizer, apenas, que, por melhor que se sinta em relação à vida que tem, ninguém vive exatamente como preferiria viver. A todo momento, abrimos mão de fazer coisas das quais gostamos muito. Ou fazemos coisas que odiamos, mas que devem ser feitas por necessidade de atender às exigências do mundo.

            Aposto que ninguém come tudo de que gosta ou gostaria. Quem faz isso, vira índice de obesidade mundial. As modelos e as gostosonas das capas de revistas podem até gostar do que veem no espelho, agradar aos olhos alheios, mas tenho certeza de que não agradam a seus estômagos, suas vontades, seus desejos de comer pizza, chocolate, ovo frito ou tomar uma cerveja bem gelada. Posso prever, ainda, que não devem acordar todos os dias às seis da manhã, como narram as revistas de dieta, cheias de prazer e disposição para malhar desesperadamente em busca do abdômen perfeito ou da bunda mais dura. Deixam, portanto, de viver como querem quando deixam de dormir até as onze quando têm vontade para satisfazer uma necessidade que, muitas vezes, não é sua.

            Não convivemos tanto com as pessoas que amamos, mas gostaríamos de poder fazer mais isso. Deixamos de estar com quem nos é importante porque temos o trabalho, o estudo, a obrigação, temos que provar à sociedade o quanto somos bons, o quanto produzimos; para isso, dentre outras coisas, temos que empatar o dinheiro daquela tão sonhada viagem em uma bela casa, porque senão vão dizer que a gente não se enxerga, onde já se viu não ter nem casa própria para morar e ir se enfiar em um avião rumo à Europa? Então, abandona-se tudo para mostrar ao povo que podemos e vamos adquirir coisas. “Veja, sociedade! Faz quinze dias que não vejo minha mãe e faz três noites que não durmo! Isso é o de menos! O que interessa é que tudo o que eu tenho é de última geração! O melhor é meu!” Isso é o mundo hoje.

            Em compensação, enquanto deixamos de estar próximos daqueles que amamos, a vida nos obriga a aturar pessoas que não suportamos, que nos irritam, que nada tem a ver conosco. Ou seja, passamos mais tempo ouvindo mau-humor e lamúrias de pessoas intragáveis do que aproveitando nossos preciosos momentos com aqueles que queremos bem. Para mim, isso está longe de ser o padrão de vida ideal.

            Deixamos de usar a roupa que nos faz sentir bem para usar aquela que está na moda. Deixamos de ser o que gostamos de ser para ser o que os outros esperam. Não quero dizer que não somos felizes, que o trabalho e que os bens materiais não nos alegrem, que atender às expectativas não nos satisfaça. Só acho que poderíamos ser mais autênticos e mais fiéis a nós mesmos. Fazer o que dá vontade. Respeitar aos outros sem deixar de respeitar a nós mesmos.

            Passamos a vida correndo atrás da vida que queremos viver e não percebemos que podemos viver o que queremos agora.

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