sexta-feira, 22 de julho de 2011

Crônica: O LIMITE DA SINCERIDADE

O LIMITE DA SINCERIDADE

            Admiro pessoas sinceras. A sinceridade é, realmente, algo muito louvável em um mundo de tanta sem-vergonhice, de tantas mentiras, maldades, violências e enganações. Mas, a meu ver, tudo que é cultuado em excesso é prejudicial, por melhor que pareça. Tudo tem limite. Até a sinceridade, algo tão maravilhoso e perfeitinho, tem limite.

            Ser franco é uma coisa muito bonita, sem dúvida, quando é usada para evitar que alguém seja feito de bobo, para não passar por mentiroso, para abrir os olhos de quem merece um empurrãozinho para perceber certas coisas. Nesse caso, é questão de lealdade. Mas tem gente que não mede as consequências de sua sinceridade. Puxa, será que dá pra ter ataques de sinceridade apenas quando é conveniente?

            Claro que não estou defendendo a mentira, mas não acho necessário ser sincero ao dizer o quanto alguém engordou, quando se sabe que aquela pessoa está malhando desesperadamente e se alimentando mediocremente em prol de sua saúde. Você não precisa dizer a uma amiga que reparou nas unhas descascadas dela e que acha isso um relaxamento. (Afinal, nem se sabe como foi a semana dela para julgar isso como falta de vaidade. Vai ver, vontade de se ajeitar não faltou, mas podem ter faltado outras coisas.) Não precisa dizer “oh, você estragou seu cabelo!” quando alguém chega super feliz achando que vai agradar com seu visual novo. A não ser que essa pessoa pergunte, e que ela demonstre estar pronta para ouvir uma opinião sinceramente negativa.

            Não precisa mentir para as pessoas. E nem se deve fazer isso, de forma alguma. Mas meter o nariz onde não se é chamado, emitindo uma opinião negativa que não foi solicitada, apenas para tentar se fazer presente, fingir para os outros que se sente mais importante, sem pensar se vai chatear o outro ou não, é, muitíssimo sinceramente, coisa de gente pequena. Temos o direito e o dever de sermos sinceros, desde que, para isso, não tenhamos feito com que ninguém se sinta um lixo. Para isso existem os eufemismos.

            Temos o direito de nos irritar com uma pessoa que está com a saúde abalada por causa, por exemplo, da obesidade, e continua comendo compulsivamente. Mas ninguém tem o direito de julgá-la e humilhá-la por isso. Temos, sem dúvida, o direito de achar que alguém não ficou bem com determinada roupa, mas, se esse indivíduo está se sentindo bem assim, nós evidentemente não temos o direito de estragar o bem-estar alheio. Temos o direito de achar o outro feio, gordo, cafona, ridículo, malvestido, desarrumado e o raio que o parta. Mas dizer isso só pra se sentir formador de opinião e melhorar a própria autoestima às custas da de outrem, é mesquinhez. É importante dizer o que se pensa, e isso é incontestável, para que possamos ter relações decentes com as pessoas que nos cercam. Mas nem tudo o que pensamos deve ou pode ser dito.

            Porque a sinceridade é uma das características mais admiradas pelos seres humanos. Mas quem sente a sinceridade destruidora de pessoas fúteis e vazias sabe que tudo, em excesso, tem um lado ruim. Talvez esteja aí a linha tênue entre a sinceridade necessária e a estupidez controladora. Uma coisa é ser crítico. Outra é ser inconveniente.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crônica: Ninguém tem a vida que quer

            NINGUÉM TEM A VIDA QUE QUER



Ninguém vive como gostaria. Mas isso não quer dizer que não sejamos felizes com a vida que temos. Quer dizer, apenas, que, por melhor que se sinta em relação à vida que tem, ninguém vive exatamente como preferiria viver. A todo momento, abrimos mão de fazer coisas das quais gostamos muito. Ou fazemos coisas que odiamos, mas que devem ser feitas por necessidade de atender às exigências do mundo.

            Aposto que ninguém come tudo de que gosta ou gostaria. Quem faz isso, vira índice de obesidade mundial. As modelos e as gostosonas das capas de revistas podem até gostar do que veem no espelho, agradar aos olhos alheios, mas tenho certeza de que não agradam a seus estômagos, suas vontades, seus desejos de comer pizza, chocolate, ovo frito ou tomar uma cerveja bem gelada. Posso prever, ainda, que não devem acordar todos os dias às seis da manhã, como narram as revistas de dieta, cheias de prazer e disposição para malhar desesperadamente em busca do abdômen perfeito ou da bunda mais dura. Deixam, portanto, de viver como querem quando deixam de dormir até as onze quando têm vontade para satisfazer uma necessidade que, muitas vezes, não é sua.

            Não convivemos tanto com as pessoas que amamos, mas gostaríamos de poder fazer mais isso. Deixamos de estar com quem nos é importante porque temos o trabalho, o estudo, a obrigação, temos que provar à sociedade o quanto somos bons, o quanto produzimos; para isso, dentre outras coisas, temos que empatar o dinheiro daquela tão sonhada viagem em uma bela casa, porque senão vão dizer que a gente não se enxerga, onde já se viu não ter nem casa própria para morar e ir se enfiar em um avião rumo à Europa? Então, abandona-se tudo para mostrar ao povo que podemos e vamos adquirir coisas. “Veja, sociedade! Faz quinze dias que não vejo minha mãe e faz três noites que não durmo! Isso é o de menos! O que interessa é que tudo o que eu tenho é de última geração! O melhor é meu!” Isso é o mundo hoje.

            Em compensação, enquanto deixamos de estar próximos daqueles que amamos, a vida nos obriga a aturar pessoas que não suportamos, que nos irritam, que nada tem a ver conosco. Ou seja, passamos mais tempo ouvindo mau-humor e lamúrias de pessoas intragáveis do que aproveitando nossos preciosos momentos com aqueles que queremos bem. Para mim, isso está longe de ser o padrão de vida ideal.

            Deixamos de usar a roupa que nos faz sentir bem para usar aquela que está na moda. Deixamos de ser o que gostamos de ser para ser o que os outros esperam. Não quero dizer que não somos felizes, que o trabalho e que os bens materiais não nos alegrem, que atender às expectativas não nos satisfaça. Só acho que poderíamos ser mais autênticos e mais fiéis a nós mesmos. Fazer o que dá vontade. Respeitar aos outros sem deixar de respeitar a nós mesmos.

            Passamos a vida correndo atrás da vida que queremos viver e não percebemos que podemos viver o que queremos agora.