terça-feira, 13 de julho de 2010

CRÔNICA: TALENTOS

TALENTOS




Confesso que nunca fui, digamos, algo que se aproximasse de uma esportista. Nos tempos de colégio, não raro fui ridicularizada por não saber manusear uma bola de vôlei, por exemplo. E me irritava muito com isso. Não me irritava por não saber jogar bola, e por não ter talento nem vontade ou interesse para aprender. Eu me irritava com o fato de as pessoas não compreenderem que eu não tinha aptidão para esse tipo de coisa. Eu não tinha esse talento, mas, como todas as pessoas, algum talento eu tinha.

A bola passava por mim. Ou ela me acertava em cheio ou eu fugia dela.

Aí, vinha algum berro simpático:

- Vai “na” bola, ô boca aberta.

Eu não tinha dificuldades para dar respostas como:

- Eu não vou “na” bola. Vai para o inferno!

Ou até coisas mais indignadas, ou mais incisivas, e por aí vai.

Eu só não conseguia entender como um jogo que deveria ser amistoso, em uma aula de educação física, poderia ser a coisa mais importante na vida de algumas pessoas naquele momento. Sempre pensei que existiam coisas mais importantes. Nada contra quem gosta, mas eu não gostava. E não gosto. Eu sempre respeitei o gosto e o talento alheio, e aprecio muito que o meu seja respeitado.

Respeitar os outros é o pontapé inicial para que se seja respeitado. O que eu quero dizer é que todos têm um talento, e, se essa capacidade serve para alguma coisa boa na humanidade, ela deve ser valorizada. Não importa se o talento de alguém é fazer mais pontos no vôlei ou um belo topete no chimarrão, se é fazer cálculos mirabolantes ou preparar sanduíches deliciosos, se é ser campeão de ginástica olímpica ou um leitor assíduo, se é ser o melhor pára-quedista do mundo ou apenas desempenhar muito bem um trabalho, seja em que área for.

Os gênios estão por aí, e devem ser valorizados. Claro que alguns têm o “talento” de magoar as pessoas, roubar, estuprar, assassinar estupidamente e sem motivo pessoas inocentes que estão “atrapalhando” seu caminho, humilhar seus subordinados, espancar suas esposas, desviar dinheiro público, falar mal dos outros ou apenas serem egoístas. Mas esses talentos também devem ser reconhecidos, se não nas cadeias oficiais, ao menos nos presídios da vida e da consciência.

O importante é que todo mundo sabe fazer algo bom, dentro das suas possibilidades. Ser um bom profissional, uma boa mãe, um bom pai, um bom aluno, um bom amigo, cumprimentar os colegas com simpatia mesmo nos dias mais difíceis ou rir de si mesmo não são coisas tão comuns nos dias de hoje. Todas as coisas boas devem ser aceitas e consideradas, independente se alguns dos talentos em questão sejam salvar inúmeras vidas todos os dias ou acender o cigarro na boca do fogão sem tostar a sobrancelha.



Ana Paula Milani, Julho de 2010.

2 comentários:

Al Reiffer disse...

Ah, eu consigo acender o cigarro na boca do fogão sem tostar as sobrancelhas, haha! Ótimo texto, Paula, concordo contigo. Abraço!

Gregório C. disse...

profe, tu realmente escreve muito bem! parabéns, gostei muito das crônicas.