segunda-feira, 14 de junho de 2010

CRÔNICA - A VIDA É UM CIRCO

A VIDA É UM CIRCO



Nunca tive interesse nenhum por circos. Durante todos esses anos de existência, fui a um circo apenas uma vez. Não achei muita graça. Lá pelos idos de 1992, quando eu tinha oito anos e meu jovem irmão, quatro. Meu pai nos fez o convite. Pegamos o ônibus. Logo estávamos lá. Ao que chegaram, na rua, em frente ao circo, aqueles dois, três, quatro palhaços e despertaram o choro aterrorizado de meu inocente irmão. Ele também nunca gostou muito de palhaços. Os profissionais do riso constrangeram-se. Perguntaram:

- Por que está chorando, amiguinho? Não precisa ter medo da gente!

Meu corajoso irmão respondeu, enxugando as lágrimas:

- Não tenho medo de vocês.

E foi indagado novamente:

- E tem medo de que, então?

Meu espirituoso e sagaz irmão defendeu-se, encerrando a conversa:

- Eu tenho medo do... do... do leão.

E pronto. Fora a barulheira do globo da morte (homens gostam de sentar perto de coisas radicais e barulhentas, os pais não são diferentes), essa é a lembrança mais marcante da minha única ida ao circo. Claro que, para uma criança de oito anos, ver animais silvestres, que deveriam estar em suas casas, em um lugar muito distante, sem serem importunados, era algo bastante empolgante para a época.

O que nós, cândidas crianças em sua primeira vez como espectadoras de um picadeiro, não sabíamos, é que vivenciaríamos um circo praticamente em tempo integral, sem sequer precisar entrar debaixo da lona. Com isso, não quero dizer que a vida é engraçadinha, envolvente, como seria a proposta de um espetáculo circense. Nesses espetáculos, também temos uma forte carga de palhaçadas, e não tenho medo de dizer que a vida em sociedade é uma palhaçada em diversos aspectos.

Vejamos a política. É um circo. Também o é o mundo capitalista e consumista em que vivemos, as relações interpessoais, o mercado de trabalho (por que não?), a impunidade diante da criminalidade e da violência, a violência gratuita, a avidez das pessoas em cuidar da vida alheia, as desigualdades sociais, a má distribuição de renda, a falta de oportunidades, o culto exagerado de uma beleza inatingível, o preconceito, a soberba e a falta de respeito.

Por isso que o público dos circos de verdade diminuiu. Para que ir a espetáculos circenses para ver palhaçadas se, a cada novo dia, nós as testemunhamos, debaixo dos nossos narizes, sem pagar um tostão de ingresso por isso? Mas a sociedade adora ver as baixarias. É disso que o povo gosta, é isso que o povo quer.

E a vida é um grande, imenso circo.

(Ana Paula Milani, Junho de 2010)

6 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo texto. Transformar tudo em crônica é uma boa ideia.

Al Reiffer disse...

Oi, Ana, parabéns pelo teu blog. Abraço

Luiz Paulo Milani disse...

Ah! Mas ficou especial...

mi... disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Interessante,gostei da reflexão.

Vanessa Mariani disse...

Realmente Paula, a vida é um circo.... às vezes somos e nos sentimos os próprios palhaços e em outras somos plateia....
Adorei seu texto.... sucesso colega!!!!!