quinta-feira, 26 de abril de 2012


PROFISSIONAIS “SURTADOS”



            A mídia expõe incansavelmente a situação caótica em que se encontra a educação no Brasil e no mundo. Não é de hoje que se coloca a culpa na escola e no professor. É que parece mais fácil analisar os problemas em sua superficialidade do que em sua verdadeira raiz. Para a sociedade, o professor vale pouco porque ganha pouco e nem a imensidão de seu conhecimento, de seu esforço e de sua capacidade são suficientes para que as opiniões gerais se modifiquem. E nem falo em salários, falo em posição social, valorização, mesmo.

            As famílias enxergam que suas crianças ou jovens têm problemas, mas nunca reconhecem que estes podem ter surgido no seio de sua família, não admitem que possam ter falhado como pais e que a função do professor é a de ser um mediador do conhecimento, seja dos conteúdos formais de aprendizagem, seja dos valores morais e éticos para a cidadania. Os professores não têm a obrigação de suprir os valores, os limites e a educação que a família não conseguiu administrar em casa. Mas, como a ele é atribuída, além de todas suas atividades rotineiras, mais essa função, ele acaba sendo dominado pelo estresse, e toda sua classe fica conhecida como um bando de loucos desvairados que nunca está contente com a fortuna que ganha e com a mamata em que vive. Os professores são, mesmo, uns surtados.

            Na mesma medida em que o professor não pode substituir o papel da família, ele acaba tendo que suportar a falta de limites, valores, educação e (por que não?) das palmadas que os pais omissos não quiseram ou não conseguiram assumir. Então, quando problemas de transgressão moral ou de aprendizagem surgem, a culpa é imediatamente jogada sobre os ombros do profissional da educação, como se este fosse um total incompetente, que merecesse realmente aguentar toda a sorte de desaforos de crianças, jovens e pais malcriados. Porque um jovem malcriado, vão me desculpar, tem sua origem muito justificável e compreensível, na maioria das vezes, quando entramos em contato com seus “pais ou responsáveis”.

            É impossível deixar de mencionar que todas as pessoas pensam que podem dar pitacos no trabalho do professor. Os alunos dos anos iniciais aos anos finais do Ensino Fundamental, os do Ensino Médio, os pais que têm formação superior no que quer que seja, os que nunca pisaram em uma sala de aula na vida, fofoqueiros de plantão, e se bobear, até os cachorros e gatos de estimação de toda a vizinhança. Ou seja: a formação acadêmica para o trabalho com a educação, nesse sentido, seria tão desnecessária quanto a do jornalista. Você tem a formação, tem a prática da docência, tem a vocação, mas qualquer um acha que pode fazer melhor o seu trabalho ou te ensinar a fazê-lo. Engraçado que muitas pessoas de outras áreas profissionais gostam de se meter no trabalho do educador, mas aposto que pouquíssimas (talvez nenhuma) se arriscaria a uma manhã de cinco períodos de aula com cerca de quarenta adolescentes. Alguns deles tão “surtados” quanto seus professores.

            “É a vocação que explica a quase devoção com que a grande maioria do magistério nele permanece, apesar da imoralidade dos salários”, diria Paulo Freire. Imorais são os salários, o tratamento, a falta de valorização dos profissionais da educação. Por isso tantas pessoas vêm abrindo mão de suas vocações. Não é difícil entender por que, hoje em dia, jovem nenhum tenha vontade de assumir a responsabilidade e o rebaixamento que o “ser professor” implica nos dias de hoje.

            Quando a sociedade em geral respeitar os professores haverá a erradicação dos profissionais da educação “surtados”, como muitos se referem.

sábado, 7 de abril de 2012

CRÔNICA: "OBRIGAÇÕES" FEMININAS

“OBRIGAÇÕES” FEMININAS



Andei sabendo que um deputado pretende tirar da mulher estuprada o direito que ela tem de abortar. Ele propôs que se obrigue a mulher a ter o filho em questão e que o Estado pague a ela um salário mínimo até que o rebento complete 18 anos. A revista em que li isso conclui que o político em questão quer “transformar esse tipo de gravidez em uma questão meramente monetária, como se o corpo e a psique da mulher violentada não existissem”.

            Ridículo. É um absurdo que a sociedade ainda seja composta por pessoas que pensam que a mulher é um depósito para o homem. Depósito do sêmen que os tarados não têm onde colocar, depósito dos recalcados e estressados que batem nelas, depósito da culpa pela quantidade de dívidas que adquirem, depósito da angústia pelos seus fracassos, depósito para as justificativas pelas suas infidelidades.

            A mulher de hoje, sabe-se muito bem, é mãe dedicada, profissional atuante, ativista social, provedora do lar, sexualmente livre, entre outras coisas, e ainda tem que estar linda, bem cuidada, superinformada e atualizada. Ser mulher é maravilhoso e extasiante, mas não é fácil. Tudo isso para quê? Para a sociedade hipócrita que adora rotular e julgar as pessoas achar que, além de estuprada, a mulher ainda tem que carregar, parir e criar o fruto de uma violência imunda, causada por um traste nojento qualquer que resolveu ter relação sexual com ela sem prévia autorização? Isso sem contar quando elas são hostilizadas por terem sido violentadas sexualmente, tratadas como vagabundas, como se pedissem, facilitassem ou merecessem um estupro.

            Deixemos bem claro que o sexo feminino não tem motivos para se sentir inferiorizado, nem sexualmente, nem profissionalmente, nem culturalmente. Tudo que os homens fazem, nós também somos capazes de fazer e, na maioria das vezes, se não o fazemos é porque não queremos. Nós não dirigimos pior que eles, não lideramos pior que eles, já se foi o tempo em que ganhávamos menos que eles e, se tivermos vontade, jogamos cartas e bebemos cerveja tanto quanto eles. E isso tudo, normalmente maquiladas, cheirosas, com os cabelos escovadíssimos e salto alto. Com muita classe.

            Fora a questão do aborto, que, não que eu seja a favor, mas nada nos dá o direito de julgar quem o faz. Cada um sabe de seu corpo e, como não podemos proibir ninguém de usar drogas ou se suicidar, também não podemos obrigar uma mulher a ter um filho que não deseja. Se o cara não pode obrigar a mulher a fazer sexo com ele, a sociedade também não pode obrigar a continuidade dessa gravidez.

            Afinal, desde quando dinheiro (pior ainda: um salário mínimo) relativiza danos causados por violência sexual?