CONSIDERAÇÕES NARIGUDAS
Eu, como todo o restante da espécie humana (a não ser os que sofrem de graves anomalias) tenho um nariz (oooohhh!!!!, que surpreendente!). Um nariz que aprendi a não mais chamar de grande. Hoje, chamá-lo-ia “imponente”. Ele serve para que eu possa coletar oxigênio do ambiente e liberar gás carbônico (admirável!). Também serve, se é que isso é relevante, para preencher o espaço entre os olhos e a boca, fazendo com que este seja um rosto, digamos, menos desarmonioso.
E só. Sim, porque o “imponente” aqui não me permite sentir e compreender o que são as tantas fragrâncias e odores de que tanto os outros falam. Nunca sei quando a comida está queimando se não verificar. Acredito que uso um bom perfume, porque pessoas de confiança escolhem para mim. Mas eu não costumo explicar pra todo mundo o que acontece. Só quanto tenho saco. E tento ser rápida, mas é difícil:
- Olha que cheiro ótimo, o desse creme!
- Desculpe, eu não sinto cheiro.
- Não sente cheiro? Desde quando isso?
- Desde sempre.
- E nunca foste tentar te curar disso?
Aí, complica e não dá pra ser rápida:
- Sim, mas o médico me recomendou que eu modificasse meus hábitos. Com a vida corrida que levo, eu costumo ficar ansiosa e estressada, o que não me permite psicologicamente ter hábitos perfeitos para tentar salvar a minha deficiência nasal e...
Então, o discurso mais comum é o seguinte:
- Olha que cheiro ótimo, o desse creme!
Aí, dou uma bela fungada e digo:
- É mesmo!
E tenho vontade de perguntar “tem gosto de quê?”, mas as pessoas certamente não entenderiam, então melhor parar por aqui mesmo.
Até adquiri algumas “compulsões narigudas”. Todas as manhãs e noites, necessito checar se o gás do fogão não está aberto. Seis ou sete vezes. É que meu nariz dificilmente detectará um vazamento, o que poderia ser fatal. E fico enchendo o saco de quem está por perto. Costumo esquecer que as outras pessoas sentem cheiro.
Bem, tudo tem um lado bom: se alguém, inclusive eu mesma, expelir “gases” incômodos, eu jamais irei reclamar e constranger o autor do “delito”, como a maioria do povo faz. Nunca implicarei com a pessoa que acaba de concluir seus exercícios físicos e, toda suada, entra no elevador. Tudo, para mim, é inodoro. (Ok, nem por isso deixo de tomar banho, que fique bem claro).
Mas, assim como os cegos e os surdos (tomadas as proporções), quando nos falta algum sentido, precisamos aperfeiçoar aqueles que temos (os que funcionam). Eu não preciso sentir o cheiro de uma feijoada para saber o quanto deliciosa ela é. Não preciso sentir o cheiro da natureza para saber o quão bela e acolhedora ela é.
A gente, que não sente os cheiros palpáveis, sente, sim, cheiro daquilo que está “nas entrelinhas”, sejam coisas boas ou ruins. Eu sinto o cheiro da mentira, das intrigas, da ignorância, da burrice, do autoritarismo, do deboche, da maldade. Quando os sentidos tornam-se subjetivos e se fundem, mesmo quem não sabe usar todos os sentidos cria imagens sinestésicas. E eu consigo sentir o cheiro amargo de tudo o que não presta. A maioria das pessoas consegue.
Que bom se pudéssemos sentir o cheiro apenas do amor, da alegria, da amizade, do companheirismo, das boas risadas, da verdade, do comprometimento e da lealdade. Bem, mas se as coisas ruins não existissem, como saberíamos reconhecer as boas? As coisas ruins também servem como aprendizado e blá, blá, blá.
Ora, isso são coisas que, talvez, nem os narizes mais eficazes, nem os sentidos mais aguçados tenham cacife para analisar.
Por Ana Paula Milani, julho de 2010.
Como se não houvesse amanhã...
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