quinta-feira, 26 de abril de 2012


PROFISSIONAIS “SURTADOS”



            A mídia expõe incansavelmente a situação caótica em que se encontra a educação no Brasil e no mundo. Não é de hoje que se coloca a culpa na escola e no professor. É que parece mais fácil analisar os problemas em sua superficialidade do que em sua verdadeira raiz. Para a sociedade, o professor vale pouco porque ganha pouco e nem a imensidão de seu conhecimento, de seu esforço e de sua capacidade são suficientes para que as opiniões gerais se modifiquem. E nem falo em salários, falo em posição social, valorização, mesmo.

            As famílias enxergam que suas crianças ou jovens têm problemas, mas nunca reconhecem que estes podem ter surgido no seio de sua família, não admitem que possam ter falhado como pais e que a função do professor é a de ser um mediador do conhecimento, seja dos conteúdos formais de aprendizagem, seja dos valores morais e éticos para a cidadania. Os professores não têm a obrigação de suprir os valores, os limites e a educação que a família não conseguiu administrar em casa. Mas, como a ele é atribuída, além de todas suas atividades rotineiras, mais essa função, ele acaba sendo dominado pelo estresse, e toda sua classe fica conhecida como um bando de loucos desvairados que nunca está contente com a fortuna que ganha e com a mamata em que vive. Os professores são, mesmo, uns surtados.

            Na mesma medida em que o professor não pode substituir o papel da família, ele acaba tendo que suportar a falta de limites, valores, educação e (por que não?) das palmadas que os pais omissos não quiseram ou não conseguiram assumir. Então, quando problemas de transgressão moral ou de aprendizagem surgem, a culpa é imediatamente jogada sobre os ombros do profissional da educação, como se este fosse um total incompetente, que merecesse realmente aguentar toda a sorte de desaforos de crianças, jovens e pais malcriados. Porque um jovem malcriado, vão me desculpar, tem sua origem muito justificável e compreensível, na maioria das vezes, quando entramos em contato com seus “pais ou responsáveis”.

            É impossível deixar de mencionar que todas as pessoas pensam que podem dar pitacos no trabalho do professor. Os alunos dos anos iniciais aos anos finais do Ensino Fundamental, os do Ensino Médio, os pais que têm formação superior no que quer que seja, os que nunca pisaram em uma sala de aula na vida, fofoqueiros de plantão, e se bobear, até os cachorros e gatos de estimação de toda a vizinhança. Ou seja: a formação acadêmica para o trabalho com a educação, nesse sentido, seria tão desnecessária quanto a do jornalista. Você tem a formação, tem a prática da docência, tem a vocação, mas qualquer um acha que pode fazer melhor o seu trabalho ou te ensinar a fazê-lo. Engraçado que muitas pessoas de outras áreas profissionais gostam de se meter no trabalho do educador, mas aposto que pouquíssimas (talvez nenhuma) se arriscaria a uma manhã de cinco períodos de aula com cerca de quarenta adolescentes. Alguns deles tão “surtados” quanto seus professores.

            “É a vocação que explica a quase devoção com que a grande maioria do magistério nele permanece, apesar da imoralidade dos salários”, diria Paulo Freire. Imorais são os salários, o tratamento, a falta de valorização dos profissionais da educação. Por isso tantas pessoas vêm abrindo mão de suas vocações. Não é difícil entender por que, hoje em dia, jovem nenhum tenha vontade de assumir a responsabilidade e o rebaixamento que o “ser professor” implica nos dias de hoje.

            Quando a sociedade em geral respeitar os professores haverá a erradicação dos profissionais da educação “surtados”, como muitos se referem.

sábado, 7 de abril de 2012

CRÔNICA: "OBRIGAÇÕES" FEMININAS

“OBRIGAÇÕES” FEMININAS



Andei sabendo que um deputado pretende tirar da mulher estuprada o direito que ela tem de abortar. Ele propôs que se obrigue a mulher a ter o filho em questão e que o Estado pague a ela um salário mínimo até que o rebento complete 18 anos. A revista em que li isso conclui que o político em questão quer “transformar esse tipo de gravidez em uma questão meramente monetária, como se o corpo e a psique da mulher violentada não existissem”.

            Ridículo. É um absurdo que a sociedade ainda seja composta por pessoas que pensam que a mulher é um depósito para o homem. Depósito do sêmen que os tarados não têm onde colocar, depósito dos recalcados e estressados que batem nelas, depósito da culpa pela quantidade de dívidas que adquirem, depósito da angústia pelos seus fracassos, depósito para as justificativas pelas suas infidelidades.

            A mulher de hoje, sabe-se muito bem, é mãe dedicada, profissional atuante, ativista social, provedora do lar, sexualmente livre, entre outras coisas, e ainda tem que estar linda, bem cuidada, superinformada e atualizada. Ser mulher é maravilhoso e extasiante, mas não é fácil. Tudo isso para quê? Para a sociedade hipócrita que adora rotular e julgar as pessoas achar que, além de estuprada, a mulher ainda tem que carregar, parir e criar o fruto de uma violência imunda, causada por um traste nojento qualquer que resolveu ter relação sexual com ela sem prévia autorização? Isso sem contar quando elas são hostilizadas por terem sido violentadas sexualmente, tratadas como vagabundas, como se pedissem, facilitassem ou merecessem um estupro.

            Deixemos bem claro que o sexo feminino não tem motivos para se sentir inferiorizado, nem sexualmente, nem profissionalmente, nem culturalmente. Tudo que os homens fazem, nós também somos capazes de fazer e, na maioria das vezes, se não o fazemos é porque não queremos. Nós não dirigimos pior que eles, não lideramos pior que eles, já se foi o tempo em que ganhávamos menos que eles e, se tivermos vontade, jogamos cartas e bebemos cerveja tanto quanto eles. E isso tudo, normalmente maquiladas, cheirosas, com os cabelos escovadíssimos e salto alto. Com muita classe.

            Fora a questão do aborto, que, não que eu seja a favor, mas nada nos dá o direito de julgar quem o faz. Cada um sabe de seu corpo e, como não podemos proibir ninguém de usar drogas ou se suicidar, também não podemos obrigar uma mulher a ter um filho que não deseja. Se o cara não pode obrigar a mulher a fazer sexo com ele, a sociedade também não pode obrigar a continuidade dessa gravidez.

            Afinal, desde quando dinheiro (pior ainda: um salário mínimo) relativiza danos causados por violência sexual?

domingo, 8 de janeiro de 2012

crônica: INDIGNAÇÃO

            INDIGNAÇÃO



Não consigo compreender como as pessoas dão tanta importância a futilidades e não se dão conta do que realmente está atrapalhando e deve ser elucidado. Não estou aqui para tentar me exibir com falsas erudições, utilizar termos em latim, fazer humor ou discorrer sobre as fofoquinhas politiqueiro-partidárias. Aliás, estou aqui com toda a profundidade do mau humor e da indignação sobre algo que eu já deveria ter pensado em me expor há algum tempo. Infelizmente, o ser humano é assim: quando a gente se assusta é que toma peito para dizer o que é preciso.

            Minhas palavras, hoje, são de imensa ira diante do estado das estradas no Rio Grande do Sul. A RS 377, a qual muitas pessoas da nossa região trafegam todos os dias, está um verdadeiro lixo! E ela não é a única. Mas tomemos essa imundície total a que inauguraram e chamam de estrada como exemplo. Alguém vai dizer: “tu estás louca? Os buracos foram tapados!” E eu responderei: “Grande bosta! Dirige lá à noite, naquele entrevero sem sinalização nenhuma, pra tu veres se não preferirias os buracos!”

            Desculpem-me os políticos decentes que terão que se submeter ao que quero dizer, mas a irresponsabilidade dos governantes com nossas estradas é pífia. Os cidadãos, entre eles, eu, meu esposo e muitos amigos precisamos da 377 todos os dias para trabalhar. Todos pagamos nossos impostos em dia, senão não podemos colocar nossos carros na rua. Desembolsamos uma fortuna na praga do IPVA para quê? Para uns e outros encherem a merda dos seus bolsos imundos com o nosso suado dinheiro? Se nossos trocados não servem para arrumar esse câncer dessa estrada, então teremos que começar a pagar com o quê? Com nossas vidas, como muitos já pagaram?

            Senhores governantes, saiam sozinhos à noite em seus carros chiquérrimos naquela estrada, arrisquem suas vidas! Eu vou contar para vocês, seus idiotas, o que se enxerga lá depois que escurece: nada! Não há pintura no asfalto, não há placas, não se sabe onde tem curva e onde não tem, os caminhões fazem ultrapassagens que nos deixam sem alternativa, andamos às vezes nos cagando de medo!

            Peguem a merda do auxílio paletó, os benefícios absurdos que vocês ganham para não fazer nada e invistam nas estradas, já que não investem em educação, sua corja de sem-vergonhas. E não ousem me processar por isso que escrevo, pois o dinheiro que vocês ganham sai dos MEUS impostos, do MEU salário de professora, que é um DEBOCHE perto do que vocês ganham para não produzirem NADA. Eu tenho o direito de dizer como vocês devem utilizar o dinheiro dos impostos que eu e todos os cidadãos de bem pagamos para ter um mínimo de respeito e segurança!

            Não me importo se me chamarem de louca pelo texto que acabo de escrever. Nunca minhas mãos produziram algo com tanta gana. Peço, mais uma vez, desculpas aos admiráveis políticos que lutam por nós e que não mereceriam estar lendo isso. Mas quem não presta sabe que não presta e o chapéu vai servir para alguns, sim. Aqueles que se sentirem ofendidos, imprimam uma página com estes humildes escritos e enfiem no rabo.

            E, à população em geral, esqueçam o pobre do Michel Teló e deixem o guri fazer sucesso e ganhar seu dinheiro honestamente. Temos que nos preocupar é com quem está roubando de nós.

domingo, 27 de novembro de 2011

UM PEQUENO GRANDE AMIGO

UM PEQUENO GRANDE AMIGO



Era um sábado à noite. Estava jantando em uma ótima pizzaria quando precisei ir ao banheiro. Normal. Todo mundo vai a banheiros em restaurantes. Ao chegar lá, deparei-me com uma figurinha masculina, devia ter cerca de cinco anos, usava um engraçadinho moletom azul e parecia nervoso. Disse-me:

            - Tia, não pode entrar. A mãe do Lucas tá ali dentro.

            Na verdade, eu não queria saber quem estava no banheiro, até porque não era da minha conta. Eu também não pretendia entrar porta adentro e expulsar a tal mãe do Lucas dali. De qualquer maneira, crianças costumam repassar informações que parecem irrelevantes pra nós e que podem ser muito importantes para elas. Eu disse apenas:

            - Não se preocupe, meu amor. A tia espera.

            - Tia, a mãe do Lucas tá surrando ele!

            Esbocei uma cara de espanto, para que a criança não se sentisse ignorada. Aquela cara que a gente faz quando não tem o que dizer e, de certa forma, está constrangida, pois trata-se de uma criaturinha um tanto expansiva e nem tudo o que crianças alarmistas dizem é procedente. Ele disse:

            - Eu não vou deixar ela surrar o meu amigo!

            E começou desesperadamente a forçar a fechadura, dava afoitos jogos de corpo contra a porta, gritava. Tinha ódio. Tinha medo. Tinha coragem. Fazia o que parecia apenas um corriqueiro escândalo infantil. Entretanto, aquilo me pareceu muito maior do que um simples escarcéu.

            De qualquer maneira, comecei a ficar constrangida. Quando a mãe do Lucas saísse do banheiro, podia pensar que quem batia loucamente na porta e forçava a fechadura era eu. Pedi ao rapazinho que parasse com aquilo. E ele argumentava que não podia parar, tinha que fazer alguma coisa por seu amigo. Quando a “algoz” do menininho abriu a porta do banheiro, (e não parecia que ela estivesse praticando nenhum ritual de tortura) o menino fez o óbvio: saiu correndo. Mas, bem, tinha feito sua parte.

Mas uma coisa não se pode negar: o que parecia apenas um corriqueiro estardalhaço infantil era, na verdade, uma baita demonstração de amizade. E, vindo de uma criança escandalosa, muito sincera, por sinal. Boa parte dos adultos não moveria um dedo, ou pior, viraria as costas ao perceber um amigo em “situação de perigo”. Para estes, é bem mais fácil se omitir em vez de abrir a boca para ajudar, defender ou livrar alguém de uma fria. Eles têm medo de se expor ou de se complicar ao fazer alguma coisa por um amigo. Para considerável parte dos adultos de hoje em dia, amigos valem menos que bons carros, roupas de grife, viagens ao exterior, joias, dinheiro, cargos ou espaços em colunas sociais. Em contrapartida, o que vem das crianças é sincero. E, ao menos em tese, ainda há pureza nas atitudes delas, portanto eles ainda acreditam em amizades verdadeiras.

Olha, Lucas, eu não sei bem quem você é, acho que você ainda nem sabe ler pra entender o que eu escrevo hoje. Talvez, quando você aprender ler, poderá acabar se interessando por este texto. Mas, talvez, nem se lembre dessa situação que viveu. Bem, eu só quero te dizer uma coisa: diferentemente da maioria das pessoas que eu conheço, você tem um amigo de verdade. E, em dias em que se valoriza tanta coisa besta nessa vida, vale a pena ter um amigo.

sábado, 8 de outubro de 2011

CRÔNICA: Separatismos

SEPARATISMOS



            Acabo de assistir mais uma vez a Hotel Ruanda. Constato novamente que se trata de uma excelente produção. O filme, como é sabido, trata das questões separatistas na África. É sabido, também que os separatismos não ocorreram apenas nos países africanos. Eles aconteceram pelo mundo inteiro e inspiraram grandes conflitos, que hoje são excelentes temas para filmes, documentários ou aulas de história. E para crônicas.

            Claro que os separatismos não deixaram de ocorrer e não são fatos isolados. Pelo contrário, eles continuam existindo debaixo dos nossos narizes e, por nem sempre inspirarem grandes e horrendos genocídios, parecem menos relevantes. Mas eles não deveriam passar tão despercebidos. O que interessa é que quem pratica esse tipo de violência (bem, eu considero violência) ou é muito idiota ou não tem coisas mais úteis para se preocupar.

            Os separatismos aparecem em nossa sociedade alienada e fútil em aspectos que muita gente nem percebe. Fazemos distinção entre os iguais quando alguns têm acesso à comida e outros não. Há separatismo, também, quando reservamos cotas aos negros e índios nos vestibulares, como se não tivessem todos as mesmas capacidades intelectuais. Quando rotulamos as “coisas de homem”, as “coisas de mulher” e, agora, as “coisas de gays”, como se o gênero fosse decisivo para que alguém goste de futebol, novela ou música clássica. Quando achamos que quem gosta de rock não pode ir a um show de pagode, como se o ecletismo fosse proibido pela rotulação. Quando, nas escolas, distinguimos os professores de “área” e “currículo” (o que são termos um tanto antiquados) como se não tivessem (ou devessem ter) todos o mesmo objetivo de ensinar.

            Ocorre separatismo quando desvinculamos o que pensamos, o que falamos e como agimos, e isso nos faz parecer pessoas falsas, cujas atitudes nunca têm conformidade. Quando privilegiamos alguns por seu status social elevado, deixando de privilegiar quem realmente precisa, praticamos separatismo graças a nossa veia bajuladora. Praticamos separatismo quando não temos rampas e acessos adaptados a pessoas com necessidades especiais, pois, com essa atitude, deixamos implícito que essas pessoas não podem fazer parte de determinado ambiente.

            Enfim, deve-se avaliar o separatismo imundo que vem da fofoca, que surge da vontade que algumas pessoas têm de colocar uns contra os outros, de fazer com que os iguais pareçam diferentes. Quem julga o outro pela aparência ou pelos seus atos não se dá conta de que também é humano e que pode ser ou fazer exatamente o que o outro é ou faz. E isso pode ser, também, considerado separatismo genocida. Porque matar as raízes do que se considerava primordialmente ser “humano” pode ser considerado genocídio. E, no quesito “acabar com a humanidade”, nossa raça é especialista. O verdadeiro lixo da sociedade é quem trata os outros como lixo.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CRÔNICA: SOBRE O TABAGISMO

SOBRE O TABAGISMO



            Detesto parecer auto-ajuda, mas juro que, realmente, não é essa a minha intenção. É que eu estava lendo algumas coisas constantes e pipocantes sobre o cigarro, e, como há pouco tempo sou uma fumante em recuperação, não pude evitar algumas considerações. Se servirem a alguém, ótimo. Se não servirem, vire a página, jogue este texto fora, enfim, livre-se disso.

            Acontece que o cigarro já foi moda. Não é mais. E é bem diferente das roupas da moda, que você compra, usa até enjoar e depois se livra delas com toda a facilidade. O cigarro caiu de moda e não pense que é por falta de vontade ou de vergonha que as pessoas não deixam de usar, como uma blusa da estação passada. As pessoas não deixam de usar porque não conseguem se livrar. Simples assim.

            Agora, se você faz questão de começar a fumar, acenda seu primeiro cigarro. Ok, não é ruim. Se ruim o fosse, não existiriam milhões de fumantes mundo afora. Mas, prepare-se para as humilhações. Poucos restaurantes que se prezam permitem que se fume em seu ambiente. Você vai ter que ir para o lado de fora, passar pelo ridículo de abandonar seus companheiros de mesa que não fumam, interromper a conversa, para ter o prazer de fumar seu cigarro. Não há mais espaço fechado que aceite alguém que bafore uma fumaceira fedorenta pelas ventas. E será mais incômodo se tiver chovendo. Nem vamos entrar nessa questão.

            Você vai se sentir bem cada vez que acender um cigarro, vai pensar que, mesmo sozinho, terá uma companhia, uma ocupação. Mas vai pagar bastante caro por isso. Calcule: ao preço médio de quatro reais, você fuma uma carteira por dia. Quanto dinheiro se queima em um mês? Em um ano? Em uma vida toda?

            Além disso, seus dedos vão ficar amarelos, sua voz vai engrossar, de vez em quando você vai ficar sem ela (dependendo do quanto você fumar), sua pele vai ficar grossa, seca, você vai ter olheiras, rugas, suas unhas ficarão fracas, talvez você tenha queda de cabelo. Seus dentes ficarão nojentos e amarelos. Os guardas te repreenderão nos aeroportos, mesmo nos espaços abertos. Você vai feder. As pessoas vão reclamar. É possível que você fique com vergonha. Então, você pode querer parar de fumar.

            Aí, você vai sofrer. Vai almoçar e sentir vontade de chorar por um cigarro. Porque, agora, aqueles rolinhos de papel fedorentinhos, que antes pareciam insignificantes, te dominam. Não é você quem controla essa relação. Eles agora são primordiais para você, tanto quanto a água, o banho, o sono ou a comida. E é muito difícil se desvincular disso. Vai sonhar com o cigarro todas as noites e você sabe que seu corpo precisa dele, mas também sabe que precisa cuidar da saúde e da aparência. Como ter filhos (as mulheres) sem largar esse vício infeliz?

            É preciso entender que, uma vez que o cigarro faz parte da vida de alguém, ele o fará para sempre. Nunca existirá um ex-fumante. Eu gosto do termo ‘fumante em recuperação’. Porque enquanto há vontade de fumar e nostalgia em relação ao cigarro, ainda existe um fumante. Hoje em dia, reconhecida a feiúra e a cafonice do cigarro, não é de se entender porque algumas pessoas se encantam tanto com ele. Ignore-se esse encanto. Ele é fugaz. Eu acho que acender o primeiro cigarro é uma das coisas mais fáceis que existem. Apagar o último, em compensação, uma das mais difíceis. E não é sem embasamento que afirmo isso.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Crônica: O LIMITE DA SINCERIDADE

O LIMITE DA SINCERIDADE

            Admiro pessoas sinceras. A sinceridade é, realmente, algo muito louvável em um mundo de tanta sem-vergonhice, de tantas mentiras, maldades, violências e enganações. Mas, a meu ver, tudo que é cultuado em excesso é prejudicial, por melhor que pareça. Tudo tem limite. Até a sinceridade, algo tão maravilhoso e perfeitinho, tem limite.

            Ser franco é uma coisa muito bonita, sem dúvida, quando é usada para evitar que alguém seja feito de bobo, para não passar por mentiroso, para abrir os olhos de quem merece um empurrãozinho para perceber certas coisas. Nesse caso, é questão de lealdade. Mas tem gente que não mede as consequências de sua sinceridade. Puxa, será que dá pra ter ataques de sinceridade apenas quando é conveniente?

            Claro que não estou defendendo a mentira, mas não acho necessário ser sincero ao dizer o quanto alguém engordou, quando se sabe que aquela pessoa está malhando desesperadamente e se alimentando mediocremente em prol de sua saúde. Você não precisa dizer a uma amiga que reparou nas unhas descascadas dela e que acha isso um relaxamento. (Afinal, nem se sabe como foi a semana dela para julgar isso como falta de vaidade. Vai ver, vontade de se ajeitar não faltou, mas podem ter faltado outras coisas.) Não precisa dizer “oh, você estragou seu cabelo!” quando alguém chega super feliz achando que vai agradar com seu visual novo. A não ser que essa pessoa pergunte, e que ela demonstre estar pronta para ouvir uma opinião sinceramente negativa.

            Não precisa mentir para as pessoas. E nem se deve fazer isso, de forma alguma. Mas meter o nariz onde não se é chamado, emitindo uma opinião negativa que não foi solicitada, apenas para tentar se fazer presente, fingir para os outros que se sente mais importante, sem pensar se vai chatear o outro ou não, é, muitíssimo sinceramente, coisa de gente pequena. Temos o direito e o dever de sermos sinceros, desde que, para isso, não tenhamos feito com que ninguém se sinta um lixo. Para isso existem os eufemismos.

            Temos o direito de nos irritar com uma pessoa que está com a saúde abalada por causa, por exemplo, da obesidade, e continua comendo compulsivamente. Mas ninguém tem o direito de julgá-la e humilhá-la por isso. Temos, sem dúvida, o direito de achar que alguém não ficou bem com determinada roupa, mas, se esse indivíduo está se sentindo bem assim, nós evidentemente não temos o direito de estragar o bem-estar alheio. Temos o direito de achar o outro feio, gordo, cafona, ridículo, malvestido, desarrumado e o raio que o parta. Mas dizer isso só pra se sentir formador de opinião e melhorar a própria autoestima às custas da de outrem, é mesquinhez. É importante dizer o que se pensa, e isso é incontestável, para que possamos ter relações decentes com as pessoas que nos cercam. Mas nem tudo o que pensamos deve ou pode ser dito.

            Porque a sinceridade é uma das características mais admiradas pelos seres humanos. Mas quem sente a sinceridade destruidora de pessoas fúteis e vazias sabe que tudo, em excesso, tem um lado ruim. Talvez esteja aí a linha tênue entre a sinceridade necessária e a estupidez controladora. Uma coisa é ser crítico. Outra é ser inconveniente.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Crônica: Ninguém tem a vida que quer

            NINGUÉM TEM A VIDA QUE QUER



Ninguém vive como gostaria. Mas isso não quer dizer que não sejamos felizes com a vida que temos. Quer dizer, apenas, que, por melhor que se sinta em relação à vida que tem, ninguém vive exatamente como preferiria viver. A todo momento, abrimos mão de fazer coisas das quais gostamos muito. Ou fazemos coisas que odiamos, mas que devem ser feitas por necessidade de atender às exigências do mundo.

            Aposto que ninguém come tudo de que gosta ou gostaria. Quem faz isso, vira índice de obesidade mundial. As modelos e as gostosonas das capas de revistas podem até gostar do que veem no espelho, agradar aos olhos alheios, mas tenho certeza de que não agradam a seus estômagos, suas vontades, seus desejos de comer pizza, chocolate, ovo frito ou tomar uma cerveja bem gelada. Posso prever, ainda, que não devem acordar todos os dias às seis da manhã, como narram as revistas de dieta, cheias de prazer e disposição para malhar desesperadamente em busca do abdômen perfeito ou da bunda mais dura. Deixam, portanto, de viver como querem quando deixam de dormir até as onze quando têm vontade para satisfazer uma necessidade que, muitas vezes, não é sua.

            Não convivemos tanto com as pessoas que amamos, mas gostaríamos de poder fazer mais isso. Deixamos de estar com quem nos é importante porque temos o trabalho, o estudo, a obrigação, temos que provar à sociedade o quanto somos bons, o quanto produzimos; para isso, dentre outras coisas, temos que empatar o dinheiro daquela tão sonhada viagem em uma bela casa, porque senão vão dizer que a gente não se enxerga, onde já se viu não ter nem casa própria para morar e ir se enfiar em um avião rumo à Europa? Então, abandona-se tudo para mostrar ao povo que podemos e vamos adquirir coisas. “Veja, sociedade! Faz quinze dias que não vejo minha mãe e faz três noites que não durmo! Isso é o de menos! O que interessa é que tudo o que eu tenho é de última geração! O melhor é meu!” Isso é o mundo hoje.

            Em compensação, enquanto deixamos de estar próximos daqueles que amamos, a vida nos obriga a aturar pessoas que não suportamos, que nos irritam, que nada tem a ver conosco. Ou seja, passamos mais tempo ouvindo mau-humor e lamúrias de pessoas intragáveis do que aproveitando nossos preciosos momentos com aqueles que queremos bem. Para mim, isso está longe de ser o padrão de vida ideal.

            Deixamos de usar a roupa que nos faz sentir bem para usar aquela que está na moda. Deixamos de ser o que gostamos de ser para ser o que os outros esperam. Não quero dizer que não somos felizes, que o trabalho e que os bens materiais não nos alegrem, que atender às expectativas não nos satisfaça. Só acho que poderíamos ser mais autênticos e mais fiéis a nós mesmos. Fazer o que dá vontade. Respeitar aos outros sem deixar de respeitar a nós mesmos.

            Passamos a vida correndo atrás da vida que queremos viver e não percebemos que podemos viver o que queremos agora.

terça-feira, 28 de junho de 2011

CRÔNICA: O FIM DA TOLERÂNCIA

O FIM DA TOLERÂNCIA

            Chega um dia na vida em que o indivíduo se dá, de forma um tanto automática, a liberdade de jogar fora aquilo que não serve. De desistir de entender o ininteligível. De desprezar aquilo que irrita. De valorizar o que faz bem e, finalmente, compreender que a gente mesmo é aquilo que nos faz melhor, o que temos de melhor.

            Nesse dia tão especial da vida, a gente manda às favas as coisas que não devem ter relevância, mas que, algum tempo atrás, tinham importância em nossa vida. Há, por exemplo, pessoas que te perguntam uma coisa, cuja resposta dizem querer ouvir verdadeiramente. Quando damos a resposta, muitas vezes recebemos grosseria e ofensas. Poupe-me disso. Pergunte-me apenas aquilo que realmente quer saber. Se não quer saber, não me pergunte ou vá para o inferno! Não me pergunte coisas pessoais demais. Eu não sou obrigada a revelar o valor simbólico que paguei por um sapato maravilhoso em uma promoção ou quantos quilos eu engordei desde que me formei. Eu não tenho mais tempo nem saco para me envolver com esse tipo de pessoa ou de coisa. Chegou um dia em que eu mereço todo o tempo do mundo para dedicar àquilo que me interessa.

            Também não acho possível suportar gente mesquinha. Eu não preciso disso. Gente que gosta de usar os outros a seu favor, mas nunca pode ao menos fingir ser útil para os demais. Gente negativa, invejosa e cri-cri também não dá pra aguentar. Gente que faz trinta críticas para cada elogio também cansa. Gente que se acha referência, que quer que todo mundo seja igual a si detona com os meus limites. Gente que só abre a boca para colocar defeito nos outros não merecia ter uma boca. Não olhe, por exemplo, para o meu cabelo, se for para dizer que ele está horrível. Não diga nada. Pense, mas não diga tudo o que pensa. Guarde certos comentários para você. Quando achamos que alguém engordou, não é de bom tom dizer isso para o dono desses derradeiros quilos, não é? Dizer tudo o que se pensa, ao contrário do que muitos definem, não é ser verdadeiro: é ser mal-educado, egocêntrico, espaçoso e idiota. Antes de abrir a boca para fazer um comentário sobre a conduta, ou a aparência, ou a roupa de alguém, tenha certeza de que essa pessoa queira ouvir sua opinião. Não seja intrometido, você não é exemplo.

            Mau humor? De jeito nenhum. Eu chamaria isso de “O fim da tolerância”. Apenas quero dizer que tudo tem limite, inclusive, e principalmente, a tolerância. É cansativo tolerar o tempo todo a atitude de pessoas que toleram apenas a si mesmas e a seus caprichos. Odeio os seres humanos? De maneira alguma! Gosto tanto dos seres humanos que não consigo deglutir o fato de que alguns deles são fúteis e arrogantes o suficiente para achar que estão sempre completos, para não lutar para melhorar, para pisar em cima das outras pessoas, para acharem-se melhores que os outros, para cagar leis em cima dos demais e aí por diante. Eu gosto dos seres humanos. Eu gosto de ser humana. Por isso nunca me contento com o que sou, do jeito que estou. Uma coisa é se gostar, se aceitar. Outra coisa é achar que atingiu o impossível: a perfeição.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Crônica: Chique é ser...

CHIQUE É SER...




Acredito que poucos saibam verdadeiramente o que é ser chique, embora muitos pensem que o são e tentem ensinar os outros a fazer isso. Como a maioria das definições, esse é um conceito obviamente difuso. Cada um entende como quer. Bem, eu me acho no direito de pensar que a “chiqueza” vai bastante além do que boa parte das pessoas pensa que ela é. Não que eu acredite veementemente ter essa característica, mas, mesmo que eu não tenha nem um pouco, isso não quer dizer que não a possa perceber e admirar quem possui.

Tem gente que se acha simples, extremamente simples. Mas não se anima a sorrir para o garçom quando faz o pedido em um restaurante, por exemplo. Dá ordens, com arrogância. E se sente lesado o suficiente para reclamar do atendimento. Isso não me parece nem um pouco elegante. Também tem gente que se acha “simples” o suficiente para escolher acordar reclamando, dar um “Bom dia” com cara de nojo, não dar atenção aos outros, importar-se apenas com seu próprio umbigo e pensar que a aparência física de alguém é que define quem é chique ou não. Julgar pela aparência é coisa de gente invejosa, pobre de espírito, vazia.

Já que falamos em aparência, não posso deixar de pensar no termo “ostentação”. Aparência é o de menos. Ser “chique” é ser realmente simples. Não o “simples” que se faz de vítima, que se inferioriza para chamar a atenção, que só se preocupa consigo mesmo. Isso é uma simplicidade provocada, narcisista, usada por quem quer se aproveitar dos outros. Falo do simples que não se importa (ou ao menos não demonstra se importar) com o que tem. O simples que não perde tempo se vangloriando nas rodas de conversa, porque tem muito a ensinar e a aprender com os outros e não quer perder tempo com futilidades. Aquele que não deixa de investir nas riquezas exteriores e, sobretudo, sabe investir nas riquezas interiores. A arrogância e os rótulos não cabem em pessoas verdadeiramente elegantes

A elegância das pessoas não se limita a belos trajes, maquiagens ou penteados. É elegante aquele que sabe ouvir e dar atenção aos outros, que sempre procura algo para dizer quando alguém tem alguma coisa para contar. É chique quem sabe perdoar, quem é verdadeiro e não dá ouvidos ao que pessoas negativas têm a dizer. Também é muito chique quem sabe tratar a todos da mesma maneira, com educação, independente de cargos ou posição social. Elegante é estar de bem com a vida, saber valorizar as coisas boas que se tem e aprender a minimizar os problemas. Aceitar que nem tudo são rosas, mas que o rumo das coisas quem faz somos nós, e que a nossa “cara” diante da vida pode definir o rumo das nossas possibilidades e relacionamentos.

domingo, 23 de janeiro de 2011

DA MACHEZA E DA COZINHA

DA MACHEZA E DA COZINHA




Dia desses, eu dirigia por uma rua razoavelmente movimentada. De repente, avistei um carro que estava parado no meio da rua, sem dar sinal. Pressupus que quisesse estacionar. Então, tentando ser educada, achei um espacinho e o ultrapassei vagarosamente pois, se me mantivesse atrás do mesmo, ele jamais seria estacionado.

Eis que o vidro do referido veículo se abre. Surge na janela um distinto, elegante e educado senhor que brada delicadamente:

- Volta pra cozinha, ô!

O espírito da ira apossou-se de mim, honestamente. Não por insinuar que eu dirijo mal, ou coisa assim, que isso não me ofende. Mas por ser preconceituoso, machista e me mandar para a cozinha. Cozinha, distinto senhor machão, há muito tempo já não é exclusividade das mulheres, a não ser que o senhor não viva no mesmo século que eu. Ademais, as mulheres ocupam posições iguais ou superiores aos homens, só os mais ignorantes ou aqueles que sentem sua macheza ameaçada ainda não conseguem conviver com isso.

A propósito, se eu fosse (e agradeço a Deus por não o ser) a bela e jovem esposa que acompanhava esse simpático e agradável indivíduo, e testemunhasse uma agressão à mulher, em especial a essa máxima arcaica que ouvi, deixá-lo-ia, com muito prazer, sem comidinha pronta. Sim, porque ele precisa perceber que, se a mulher atingiu posições antes ocupadas exclusivamente por homens, o homem também precisa compreender que alguém precisa preencher o espaço deixado pela mulher. Então, amigo, vá você para a cozinha, dê jeito de aprender a fazer sua própria comidinha, pois pessoas como você, mais cedo ou mais tarde, tendem a ser abandonadas por suas belas e dedicadas esposas por manifestarem tanto preconceito.

Em tempos onde os conceitos se modernizam a cada dia, é um ultraje ouvir alguns homens (e ainda algumas mulheres) bradarem pela divisão entre “coisas de homem” e “coisas de mulher”. Somos todos iguais, temos as mesmas capacidades, podemos exercer as mesmas funções e gostar das mesmas coisas, independente de gênero. Foi-se o tempo em que a cozinha e os serviços domésticos eram “coisas para mulheres” e trabalhar fora para colocar comida na mesa e assistir ao futebol bebendo uma cervejinha eram “coisas para homens”.

Em tempos em que se aceitam tantas coisas novas, realmente não dá para acreditar que a mulher que, pelo contrário, não é nenhuma novidade, ainda seja tachada por alguns membros da sociedade como subserviente. Na verdade, enquanto as mulheres ainda se permitirem ser colocadas como objetos (na visão de muitos, quando o lugar delas não é na cozinha, é para serem “mulheres-fruta”), isso nunca vai mudar. Não quero dizer que as mulheres tenham que ser iguais aos homens, que não devam ser femininas. Só acho que as mulheres são particulares demais, grandes demais, fortes demais para serem diminuídas a uma cozinha ou a uma sessão de fotos sensuais e excitantes.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CRÔNICA - PÉSSIMOS FISIONOMISTAS

Péssimos fisionomistas




É complicado pertencer à categoria dos péssimos fisionomistas. Situações das mais constrangedoras ocorrem com quem precisa ver um rosto ao menos umas cinquenta vezes para poder reconhecê-lo depois. Isso sem contar a fama de antipático que se adquire por não cumprimentar aquele conhecido, daquele jantar do mês passado, que você, obviamente, acha que não conhece.

Era a inauguração de uma empresa, eu conversava com a mãe de uma amiga, quando me aparece uma efusiva senhora, visivelmente satisfeita com minha humilde presença:

- Oi! Tudo bem contigo? Quanto tempo! - e me abraça.

Eu retribuo:

- Olá! Tudo bem, como vai... (e penso em um nome. Para mim, esse rosto não existia até então, que dirá um nome para ele...)... a senhora?

- Bem, bem... Que saudades! Foi tão boa a última vez que nos encontramos! Tua palestra foi tão linda, lembra como rimos tanto juntas naquela vez, Paulinha?

Jesus amado! “Que vez?”. É só o que me passa pela cabeça.

Conversa vai, conversa vem, conversa me falta, tenho receio de dar uma furada e chatear a senhora tão simpática. Raios, eu deveria ter perguntado quem era ela, me desculpado por achar que essa era a primeira vez que conversávamos, logo no início dessa conversa em que eu só uso a função fática da linguagem, sentindo-me ridícula e vazia, sem assunto. Bem, e como eu vou dizer a uma singela senhora, que me chama carinhosamente por um diminutivo e sente até saudades minhas que não a conheço? Que não faço ideia de quem ela é, embora pareça que eu já convivi com ela antes? Já imaginou a cena?

“Que saudades, Paulinha!”

“Desculpe, eu não sinto saudades suas, porque sou péssima fisionomista, eu acho que não devo lhe ter visto cinquenta vezes ainda, portanto não sei quem você é, como vou sentir saudades?”

Então, até que enfim, a agradável senhora se despede. A pessoa em si era agradável, a minha situação é que não era. “Conversamos durante a noite!” ela me disse e eu respondo “Claro!”, mas só penso “tomara que eu te reconheça se nos encontrarmos de novo esta noite.”

Volto, então, à conversa inicial, com a mãe da amiga:

- Escuta, que saia-justa... quem é esta senhora?

- O quê? Tu não a conheces?

- Não.

- Mas vocês conversaram tanto, se abraçaram, estavam até com saudades, achei que se conhecessem há anos!!!

- Pois é...

- Cada um que me aparece...



Por Ana Paula Milani, novembro de 2010

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ah, os carros...

Ah, os carros...


Carros são uma coisa legal e curiosa. Na verdade, a nossa relação com eles é que o é. Hoje eu dirigia cantando e dançando e pensava sobre isso. A importância de um automóvel vai muito além de nos transportar para os lugares para onde queremos ir. Andando dentro de um carro, é como se estivéssemos dentro de uma cápsula protetora que impede a visão de todos os outros sobre as coisas estranhas que podemos estar fazendo. Tenho certeza que eu jamais diria que ia pela rua, a pé, cantando e dançando. Não se estivesse com um mínimo de sobriedade.

Imagine se alguém no mais pleno estado de sanidade sairia pelas ruas cantando Sangue Latino, do Ney Matogrosso e, ainda, dando umas reboladinhas com os ombros para explicitar sua empolgação com a música. Pois, no carro, a gente se anima a fazer isso. Sozinhos ou não. Com todas as músicas. Não nos sentimos ridículos. E nunca achamos que será vergonhoso, pois estamos muito bem protegidos, “ninguém” pode nos ouvir ou ver. E se verem, ah, aceleramos e vamos embora, ninguém vai lembrar...

O carro nos permite sair para dar uma volta do jeito que estivermos. De pantufas, roupão, camiseta do tempo da guerra, sem calçados, seja como for. Nunca nos preocupamos com o fato de que podemos precisar descer em algum lugar. O aspecto protetor, escondidinho do nosso carro nos permite pensar que ali estamos totalmente seguros, livres para fazer qualquer fiasco como tirar a meleca do nariz em público (Eu não faço isso, mas quem nunca viu alguém fazendo dentro do veículo? A explicação é óbvia: a pessoa nunca acha que, dentro do carro, ela pode estar sendo observada!).

Isso fora os xingamentos que proferimos de dentro do nosso automóvel. Será que, se estivéssemos passando pelas pessoas que xingamos no trânsito sozinhos, a pé, teríamos a mesma coragem? E íamos acelerar e sair de fininho de que jeito, caso o bicho pegasse? É... essa é uma coisa a ser pensada...

Imagino que seja essa sensação de segurança que as pessoas sentem quando saem por aí fazendo barbaridades com seus carros. Porque, bem, sair cantando e dançando escondido dentro deles normalmente não prejudica ninguém. Abrir a janela e curtir um ar fresco, pensando na vida, enquanto se volta pra casa depois de um exaustivo dia de trabalho não tem mal algum. Mas dirigir em condições adversas, colocando a própria vida e a de outros em risco, só pode ser conseqüência da ideia de aconchego, firmeza e “escondidinho” que o carro nos dá.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MORRER É RIDÍCULO

Morrer é ridículo




Dizem que você é os livros que você leu, os filmes a que assistiu, os romances que viveu, as músicas que escutou, os cigarros que fumou e a lista é interminável. Tudo bem. Mas, de repente, isso tudo e mais as coisas que planejou, tudo o que estudou, a carreira que conquistou, os amigos que cativou, a família que tanto amou, os inimigos que fez e a louça que se esqueceu de lavar ficam para trás. Sem liberdade de escolha.

Se você estiver doente, com alguma idade, sabendo o que te espera, não é menos dolorido. Mas, nesse caso, pode-se contar com o direito a ler o livro cuja leitura adiou por muito tempo, ouvir mais algumas vezes as músicas de que mais gostava, abraçar mais uma vez a família, os amigos e a pessoa amada. Assim, existirá a oportunidade de se despedir e, ainda, não deixar nada por fazer.

Mas você pode simplesmente sair de casa para trabalhar. Recém comeu duas bolachas e um copo de leite, já está pensando no que vai comer no almoço, e talvez não almoce. Está pensando nas meias que vai comprar à tarde, e talvez não compre. Está pensando em usar aquele casaco tão bonito na festa de sexta-feira, mas talvez não use. Qualquer idiotice pode acontecer, sem que sequer dê tempo de você perceber. E aí, já era.

Luis Fernando Verissimo já escreveu em “A metamorfose” que “como alguém pode viver sabendo que vai morrer?” Nós conseguimos. Temos medo. Mas não costumamos agir como se isso pudesse acontecer a qualquer momento. Deixamos de valorizar os melhores momentos, que podem ser os mais simples, para ficar reclamando. Do salário, da chuva, do calor, do trabalho, dos filhos e aí por diante. Reclamar não adianta. Temos é que aproveitar. Viver cada dia como se fosse o último.

Se o indivíduo já viveu mais de cem anos (claro que a gente sempre quer viver mais e mais), tudo bem, ele até já superou a expectativa de vida mundial. Mesmo que não tenha realizado nada de tão extraordinário durante o percurso, viver cem anos é, sem dúvida, um grande feito.

Mas, e se não deu tempo de fazer muito? E a janela que ficou aberta em casa? E as roupas no varal? E os estudos? E o texto que não terminou de ser escrito? É ridículo pensar que tudo pode acabar num piscar de olhos. Isso se der tempo de piscar. Morrer é ridículo. Porque procrastinar em vida é uma questão de escolha, mas deixar de fazer as coisas porque simplesmente nunca mais terá a oportunidade de fazer, assim, de uma hora para outra, é uma estupidez.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

CRÔNICA: CONSIDERAÇÕES NARIGUDAS

CONSIDERAÇÕES NARIGUDAS




Eu, como todo o restante da espécie humana (a não ser os que sofrem de graves anomalias) tenho um nariz (oooohhh!!!!, que surpreendente!). Um nariz que aprendi a não mais chamar de grande. Hoje, chamá-lo-ia “imponente”. Ele serve para que eu possa coletar oxigênio do ambiente e liberar gás carbônico (admirável!). Também serve, se é que isso é relevante, para preencher o espaço entre os olhos e a boca, fazendo com que este seja um rosto, digamos, menos desarmonioso.

E só. Sim, porque o “imponente” aqui não me permite sentir e compreender o que são as tantas fragrâncias e odores de que tanto os outros falam. Nunca sei quando a comida está queimando se não verificar. Acredito que uso um bom perfume, porque pessoas de confiança escolhem para mim. Mas eu não costumo explicar pra todo mundo o que acontece. Só quanto tenho saco. E tento ser rápida, mas é difícil:

- Olha que cheiro ótimo, o desse creme!

- Desculpe, eu não sinto cheiro.

- Não sente cheiro? Desde quando isso?

- Desde sempre.

- E nunca foste tentar te curar disso?

Aí, complica e não dá pra ser rápida:

- Sim, mas o médico me recomendou que eu modificasse meus hábitos. Com a vida corrida que levo, eu costumo ficar ansiosa e estressada, o que não me permite psicologicamente ter hábitos perfeitos para tentar salvar a minha deficiência nasal e...

Então, o discurso mais comum é o seguinte:

- Olha que cheiro ótimo, o desse creme!

Aí, dou uma bela fungada e digo:

- É mesmo!

E tenho vontade de perguntar “tem gosto de quê?”, mas as pessoas certamente não entenderiam, então melhor parar por aqui mesmo.

Até adquiri algumas “compulsões narigudas”. Todas as manhãs e noites, necessito checar se o gás do fogão não está aberto. Seis ou sete vezes. É que meu nariz dificilmente detectará um vazamento, o que poderia ser fatal. E fico enchendo o saco de quem está por perto. Costumo esquecer que as outras pessoas sentem cheiro.

Bem, tudo tem um lado bom: se alguém, inclusive eu mesma, expelir “gases” incômodos, eu jamais irei reclamar e constranger o autor do “delito”, como a maioria do povo faz. Nunca implicarei com a pessoa que acaba de concluir seus exercícios físicos e, toda suada, entra no elevador. Tudo, para mim, é inodoro. (Ok, nem por isso deixo de tomar banho, que fique bem claro).

Mas, assim como os cegos e os surdos (tomadas as proporções), quando nos falta algum sentido, precisamos aperfeiçoar aqueles que temos (os que funcionam). Eu não preciso sentir o cheiro de uma feijoada para saber o quanto deliciosa ela é. Não preciso sentir o cheiro da natureza para saber o quão bela e acolhedora ela é.

A gente, que não sente os cheiros palpáveis, sente, sim, cheiro daquilo que está “nas entrelinhas”, sejam coisas boas ou ruins. Eu sinto o cheiro da mentira, das intrigas, da ignorância, da burrice, do autoritarismo, do deboche, da maldade. Quando os sentidos tornam-se subjetivos e se fundem, mesmo quem não sabe usar todos os sentidos cria imagens sinestésicas. E eu consigo sentir o cheiro amargo de tudo o que não presta. A maioria das pessoas consegue.

Que bom se pudéssemos sentir o cheiro apenas do amor, da alegria, da amizade, do companheirismo, das boas risadas, da verdade, do comprometimento e da lealdade. Bem, mas se as coisas ruins não existissem, como saberíamos reconhecer as boas? As coisas ruins também servem como aprendizado e blá, blá, blá.

Ora, isso são coisas que, talvez, nem os narizes mais eficazes, nem os sentidos mais aguçados tenham cacife para analisar.



Por Ana Paula Milani, julho de 2010.

terça-feira, 13 de julho de 2010

CRÔNICA: TALENTOS

TALENTOS




Confesso que nunca fui, digamos, algo que se aproximasse de uma esportista. Nos tempos de colégio, não raro fui ridicularizada por não saber manusear uma bola de vôlei, por exemplo. E me irritava muito com isso. Não me irritava por não saber jogar bola, e por não ter talento nem vontade ou interesse para aprender. Eu me irritava com o fato de as pessoas não compreenderem que eu não tinha aptidão para esse tipo de coisa. Eu não tinha esse talento, mas, como todas as pessoas, algum talento eu tinha.

A bola passava por mim. Ou ela me acertava em cheio ou eu fugia dela.

Aí, vinha algum berro simpático:

- Vai “na” bola, ô boca aberta.

Eu não tinha dificuldades para dar respostas como:

- Eu não vou “na” bola. Vai para o inferno!

Ou até coisas mais indignadas, ou mais incisivas, e por aí vai.

Eu só não conseguia entender como um jogo que deveria ser amistoso, em uma aula de educação física, poderia ser a coisa mais importante na vida de algumas pessoas naquele momento. Sempre pensei que existiam coisas mais importantes. Nada contra quem gosta, mas eu não gostava. E não gosto. Eu sempre respeitei o gosto e o talento alheio, e aprecio muito que o meu seja respeitado.

Respeitar os outros é o pontapé inicial para que se seja respeitado. O que eu quero dizer é que todos têm um talento, e, se essa capacidade serve para alguma coisa boa na humanidade, ela deve ser valorizada. Não importa se o talento de alguém é fazer mais pontos no vôlei ou um belo topete no chimarrão, se é fazer cálculos mirabolantes ou preparar sanduíches deliciosos, se é ser campeão de ginástica olímpica ou um leitor assíduo, se é ser o melhor pára-quedista do mundo ou apenas desempenhar muito bem um trabalho, seja em que área for.

Os gênios estão por aí, e devem ser valorizados. Claro que alguns têm o “talento” de magoar as pessoas, roubar, estuprar, assassinar estupidamente e sem motivo pessoas inocentes que estão “atrapalhando” seu caminho, humilhar seus subordinados, espancar suas esposas, desviar dinheiro público, falar mal dos outros ou apenas serem egoístas. Mas esses talentos também devem ser reconhecidos, se não nas cadeias oficiais, ao menos nos presídios da vida e da consciência.

O importante é que todo mundo sabe fazer algo bom, dentro das suas possibilidades. Ser um bom profissional, uma boa mãe, um bom pai, um bom aluno, um bom amigo, cumprimentar os colegas com simpatia mesmo nos dias mais difíceis ou rir de si mesmo não são coisas tão comuns nos dias de hoje. Todas as coisas boas devem ser aceitas e consideradas, independente se alguns dos talentos em questão sejam salvar inúmeras vidas todos os dias ou acender o cigarro na boca do fogão sem tostar a sobrancelha.



Ana Paula Milani, Julho de 2010.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O MUNDO DOS ECLÉTICOS

O MUNDO DOS ECLÉTICOS




O dicionário Michaelis da Língua Portuguesa define “eclético” da seguinte maneira: 1 Relativo ao ecletismo. 2 Que seleciona; que escolhe de várias fontes. 3 Que não segue um só sistema de Filosofia, Medicina etc., mas seleciona e aproveita o que considera melhor ou verdadeiro nos vários métodos ou doutrinas. 4 Composto de elementos oriundos de várias fontes. Identifico-me profundamente com essa conceituação. E admiro quem pode assim ser definido.

Na prática, os ecléticos não buscam por rótulos. Eles são o que são. Podem seguir um estilo a cada dia, e não deixam de ser autênticos. Ouvem qualquer tipo de música, às vezes só para conhecerem. Assistem aos mais diversos tipos de filmes, para poderem escolher de que tipo mais gostam. Leem de tudo, pois o que importa é ter o que ler.

Os ecléticos podem ser pessoas chiques em dado momento, e simplicíssimas em outro. De qualquer maneira, eles quase sempre se divertem. Pode ser bebendo vinho importado e comendo fondue em um sofisticado restaurante em Gramado ou bebendo cerveja e comendo pastel no bar da esquina. O que importa é a boa companhia. É muito bom poder se interessar e gostar de várias coisas ao mesmo tempo.

Os ecléticos costumam odiar o tédio. Mas, para eles, combater o tédio pode ser uma tarefa muito fácil. Basta pegar um bom disco, um bom livro, um bom filme, uma boa bebida, um baralho, um programa de televisão razoável. Enfim, como bons ecléticos, sempre temos mais, bem mais do que apenas uma opção para espantar o ócio.

O grupo de amigos do eclético também não tem características fixas. Ali, podemos encontrar adolescentes, professores, roqueiros, escritores, pessoas de meia-idade, políticos, psicólogos, contadores, advogados, atores, pessoas da terceira idade, religiosos e por aí vai. O eclético tem interesse em ouvir o que todas as pessoas têm a contar. Assim, as amizades dele também não são rotuladas.

Há pessoas que imaginam que o eclético seja alguém sem estilo, sem personalidade. Pelo contrário. O eclético resulta de uma fusão de vários estilos. O eclético não se prende a preferências. Busca, sim, experimentar de tudo para saber quais são as coisas de que gosta. Se ele não ler Jorge Amado, como saberá se gosta ou não? E se não assistir a Gran Torino? O eclético tem a cabeça aberta a novas experiências.

Os ecléticos tem a cabeça aberta para o mundo. Mas, de que adiantaria ter ideias inovadoras para o mundo e fechadas para si mesmo? Pois, então, acima de tudo, nós, os ecléticos, temos a cabeça aberta para nós mesmos. Se não rotulamos as coisas e as outras pessoas, não nos rotulamos. O eclético se aceita como é, sempre procurando aspectos em que pode melhorar.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

E-mail recebido da minha amiga e profe Silvania Colaço. Valeu!!!!

Oi, Ana Paula!


Adorei teu blog. Acho que a melhor forma de educar é pelo exemplo. Com teus textos, tu podes incentivar teus alunos a escreverem e também estarás ajudando-os a se tornarem mais críticos.

Além disso, é muito bom ler um texto bem escrito, com criatividade e correção na linguagem (aspectos não muito comuns nos textos que se veem pela internet). Parabéns!

Um abraço!

Silvania

segunda-feira, 21 de junho de 2010

SUBJETIVIDADES

SUBJETIVIDADES




Eu, como qualquer profissional da área de letras, adoro aspectos ligados à linguagem, dentre eles a gramática. A gramática é algo estrutural, de certa maneira subjetivo. Mas confesso que não entendo (ou não quero entender, pois não concordo) a maioria dos autores em um aspecto: a classificação do substantivo em concreto ou abstrato.

A classificação dos substantivos em concretos ou abstratos deveria levar em consideração a significação que essas palavras têm para o falante. Vejamos: como Deus, por exemplo, pode ser classificado como concreto? Muitos dizem que substantivo concreto é aquele que “não depende de nada para existir”, ou “que pode ser visto ou tocado”. Quer dizer que essas pessoas, então, já viram ou tocaram em Deus? Será que tomaram um chimarrão com ele?

Aí, alguém pode pensar: “mas Ele não depende de ninguém para existir”. Como não? Eu, por exemplo, acredito piamente na existência de Deus, até me considero bem amiga do Cara, tenho com ele monólogos bastante freqüentes, mas nunca o vi nem toquei nele. Se eu parasse de acreditar em Deus, ele deixaria de existir para mim. Logo, se o indivíduo não acredita na Sua existência, então, para esses, Ele não existe. Então, vai dizer que alguém tão subjetivo e espiritual não depende de ninguém para existir? Então, estaríamos excluindo os ateus nessa classificação morfológica?

Os conceitos subjetivos são inúmeros, e, por isso, tão passíveis de discussão. O trabalho é subjetivo, assim como o amor. A diversão é subjetiva, assim como a tristeza. O sentido da vida é subjetivo e, mesmo que a vida não tenha sentido, vale a pena investir nela. Assim como devemos e precisamos investir no trabalho, no amor, na diversão e, inclusive, na tristeza.

Não precisamos de classificações. A gramática é que precisa. O que é subjetivo serve para ser vivido, não precisa ter sentido. Deus é, para mim (quem sabe, para boa parte das pessoas), morfológica e materialmente, abstrato. Mas não é porque as coisas são abstratas que não podemos acreditar e apostar nelas. O ser humano vive uma época em que é muito difícil e pouco seguro confiar apenas em coisas concretas.

Resta-nos dar crédito e valor à abstração e subjetividade do trabalho, do amor, da diversão, da tristeza, de Deus (ou até de seus oponentes, caso prefiram) sem esquecer das nossas subjetividades. Pode ser que, naquilo que diverge ou não consegue ver ou tocar, o ser humano encontre um sentido nessa vida.



(Ana Paula Milani, junho de 2010)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

CRÔNICA - A VIDA É UM CIRCO

A VIDA É UM CIRCO



Nunca tive interesse nenhum por circos. Durante todos esses anos de existência, fui a um circo apenas uma vez. Não achei muita graça. Lá pelos idos de 1992, quando eu tinha oito anos e meu jovem irmão, quatro. Meu pai nos fez o convite. Pegamos o ônibus. Logo estávamos lá. Ao que chegaram, na rua, em frente ao circo, aqueles dois, três, quatro palhaços e despertaram o choro aterrorizado de meu inocente irmão. Ele também nunca gostou muito de palhaços. Os profissionais do riso constrangeram-se. Perguntaram:

- Por que está chorando, amiguinho? Não precisa ter medo da gente!

Meu corajoso irmão respondeu, enxugando as lágrimas:

- Não tenho medo de vocês.

E foi indagado novamente:

- E tem medo de que, então?

Meu espirituoso e sagaz irmão defendeu-se, encerrando a conversa:

- Eu tenho medo do... do... do leão.

E pronto. Fora a barulheira do globo da morte (homens gostam de sentar perto de coisas radicais e barulhentas, os pais não são diferentes), essa é a lembrança mais marcante da minha única ida ao circo. Claro que, para uma criança de oito anos, ver animais silvestres, que deveriam estar em suas casas, em um lugar muito distante, sem serem importunados, era algo bastante empolgante para a época.

O que nós, cândidas crianças em sua primeira vez como espectadoras de um picadeiro, não sabíamos, é que vivenciaríamos um circo praticamente em tempo integral, sem sequer precisar entrar debaixo da lona. Com isso, não quero dizer que a vida é engraçadinha, envolvente, como seria a proposta de um espetáculo circense. Nesses espetáculos, também temos uma forte carga de palhaçadas, e não tenho medo de dizer que a vida em sociedade é uma palhaçada em diversos aspectos.

Vejamos a política. É um circo. Também o é o mundo capitalista e consumista em que vivemos, as relações interpessoais, o mercado de trabalho (por que não?), a impunidade diante da criminalidade e da violência, a violência gratuita, a avidez das pessoas em cuidar da vida alheia, as desigualdades sociais, a má distribuição de renda, a falta de oportunidades, o culto exagerado de uma beleza inatingível, o preconceito, a soberba e a falta de respeito.

Por isso que o público dos circos de verdade diminuiu. Para que ir a espetáculos circenses para ver palhaçadas se, a cada novo dia, nós as testemunhamos, debaixo dos nossos narizes, sem pagar um tostão de ingresso por isso? Mas a sociedade adora ver as baixarias. É disso que o povo gosta, é isso que o povo quer.

E a vida é um grande, imenso circo.

(Ana Paula Milani, Junho de 2010)

Sejam bem vindos!!!

Este blog tem o intuito de divulgar meus escritos, sem sensacionalismos ou fofocas. Apenas visões de mundo colocadas por meio de crônicas ou contos.

Para quem não me conhece, meu nome é Ana Paula Nunes Milani Zaboetzki, sou professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, em Capão do Cipó e de Literatura Brasileira no Ensino Médio na Escola de Educação Básica da URI, em Santiago. Sou formada em Letras português-inglês pela URI Santiago e Especialista em Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual pela mesma universidade.

Espero que sintam-se acolhidos o suficiente para, após a leitura, fazer sua participação.
Deixe se comentário, sua visão de mundo!